Jornal Estado de Minas

Revelações de um caminhoneiro: "Uma hora ia estourar"

- Foto: Carlos Marcelo/EM/D.A Press
Sentado nos degraus da entrada do Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, diante de seu caminhão, um transportador autônomo mostra o celular e comenta: “É por aqui que a gente se organiza e fica sabendo da verdade, não é pelo que eles dizem na televisão depois das reuniões em Brasília. Aquilo é tudo fake news.”

No final da manhã desse domingo (27), o motorista, de 47 anos e morador da zona leste de BH, aceitou conversar com o Estado de Minas, sob a condição de anonimato, para explicar o que o fez parar de trabalhar até conseguir o que quer.

É uma agenda pragmática, que começa pela redução e estabilidade do preço do diesel. E não pretende, segundo ele, se misturar com os interesses de outros grupos. “Irmão, a gente não vai lá, não. Nosso protesto não tem nada a ver com Pimentel”, disse o autônomo para um dos organizadores de manifestação de apoio aos caminhoneiros e de protestos contra todos os políticos, que havia pedido para o motorista estacionar seu caminhão em frente ao Palácio da Liberdade. “Eu só vim aqui porque vocês disseram que ia ter povo. Não tô vendo povo nenhum.

Cadê o gigante que ia acordar?”

Carretas não podem circular no perímetro da Avenida do Contorno sem correr o risco de multas. Mas ontem foi diferente: os dois veículos de carga chegaram buzinando à Praça da Liberdade. Foram recebidos, sob aplausos e gritos de “Somos caminhoneiros”, por um grupo de manifestantes, boa parte deles com bandeiras e camisas da seleção brasileira, alguns com cartazes pedindo intervenção militar.

 

Ao chegar, os veículos causaram frenesi e logo se tornaram cenário para selfies e gravações de vídeos dos que se vestiam de verde e amarelo, entre brados de “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, “Fora Temer”, “Fora Pimentel” e “A nossa bandeira nunca será vermelha”.

Ao lado de outro motorista, 10 anos mais jovem e também morador da zona leste, o caminhoneiro corrige ao ser perguntado sobre a origem da greve. “Não é greve. Não tem sindicato. Eu não pago sindicato, eu pago é diesel caro.

E não dá mais pra continuar assim”, diz.

A reunião realizada em Brasília na quinta-feira, que terminou com representantes do Planalto e de caminhoneiros sorridentes a celebrar um acordo, foi inócua, disse o autônomo. “Não tinha ninguém nosso, eles não deixaram entrar o Chorão (o goiano Wallace Landim), o único que podia falar e trazer as propostas deles pra gente. Desde às quatro da tarde a gente já sabia que não ia dar em nada, só ia aumentar o movimento. Governador de São Paulo tá fazendo a mesma coisa, se reunindo com gente que não nos representa e indo pra televisão anunciar acordo.”

O uso do WhatsApp é intenso e tornou-se a principal ferramenta de comunicação entre os autônomos. É pela rede que eles planejam ações, acompanham a movimentação das Forças Armadas e desmentem ministros: “Vê se a gente pode confiar num sujeito como aquele Marun? Só com o papel assinado”.

Há uma restrição, segundo o motorista, no grupo de WhatsApp: político não entra. “Hoje mesmo apareceu um no grupo se dizendo do PT, queria negociar de o partido entrar com força para nos apoiar em troca dos caminhoneiros reconhecerem que foi golpe na Dilma, fazer um mea culpa.
Tem base? Tiramos a figura na hora”.

Quanto tempo vai durar a paralisação? “Depende deles aceitarem o que a gente quer. Mas é bom o pessoal saber: depois que acabar, vai demorar muito pra voltar ao normal. Cada dia parado, pode botar três, quatro dias para recuperar.” No fim da conversa, o mais velho comenta com o autônomo mais novo: “Você viu como o pessoal ficou quando eu toquei a buzina? Buzina forte, parece buzina de trem, moço! Faz um barulho...” E é provável que haja mais barulho. Abaixo, trechos da conversa com o motorista autônomo mineiro.

O movimento surgiu de alguma liderança política ou sindical?

Não tem nada disso. A gente não fez uma assembleia e resolveu parar. Foi pela indignação. Foi trocando ideias pelas redes sociais que fomos ficando indignados com mais de 11 aumentos de combustíveis seguidos. Não temos nenhuma relação com sindicatos, partidos ou movimentos. A coisa foi espontânea e a população enxergou isso e comprou a briga. No whatsapp a gente fechou com gente de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas.
Foi de todo o Brasil. Uma rede enorme e que todo mundo conversa e decide.

E quanto à negociação conduzida pelo governo federal?


Reconhecemos apenas a Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), que foi uma espécie de porta-voz. Levaram nossas demandas, mas não nos organizaram. Se fizerem algo que não nos deixe satisfeitos, a gente cruza os braços do mesmo jeito. A gente é autônomo, em maioria. Não pago sindicato. Mas era preciso ter alguém para encaminhar as nossas demandas. Mas se não fizerem isso como queremos, a gente simplesmente não aceita.

Vocês tiveram medo de a população não concordar com a sua paralisação?

Combustível é o que encarece tudo no Brasil. Porque nós, caminhoneiros, trazemos tudo que as pessoas consomem. Então, não tem como as pessoas não estarem a favor dessa luta.
Até porque eles compram combustível para trabalhar, para estudar, para viver. E tudo aquilo que consomem já chega encarecido pelo preço exorbitante dos combustíveis. Não duvidamos em nenhum momento que os brasileiros iriam nos apoiar.

Outros manifestantes tentaram vincular o movimento de vocês às causas deles?


Demais. Aqui na praça (da Liberdade) queriam que a gente estacionasse os caminhões na frente do Palácio (da Liberdade) para pedir o impeachment do (governador Fernando) Pimentel. Sai fora. Não tem nada a ver com o que estamos precisando. Houve, também, petistas que quiseram se infiltrar e conduzir do jeito deles o movimento trazendo outras questões e pedidos. Condenar o impeachment da (ex-presidente) Dilma (Rousseff) ou a prisão do (ex-presidente Luiz Inácio) Lula. Não tem nada, absolutamente nada a ver com isso. A gente identificou essas pessoas e simplesmente tiramos das nossas redes sociais.

Como vocês descrevem a situação dos caminhoneiros brasileiros?

A gente estava quase pagando para trabalhar. Se um pneu estourasse, se tivesse de trocar óleo para conseguir que os freios e mecânica do caminhão funcionasse, a gente quase não tirava dinheiro do frete. Era uma situação sem sustentação. Uma hora ia estourar e a gente não aguentou e estourou. Agora, só com uma garantia de que podemos trabalhar com justiça. Só queremos trabalhar e ganhar nosso sustento.

Quando a paralisação vai acabar?

Quando o preço do óleo diesel baixar e se garantir que não será aumentado de novo. Quando nos possibilitarem passar pelas balanças com os eixos levantados e pagar um preço justo. Tem que retirar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), o PIS (Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e o COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) do diesel. Só assim a gente vai ter um impacto positivo para todos, não apenas para os caminhoneiros. E toda a sociedade vai sentir isso.

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