A solução encontrada pelo governo Michel Temer (MDB) para reduzir o preço do litro do diesel em R$ 0,46, a fim de atender às reivindicações dos caminhoneiros, representará enorme frustração para milhares de moradores do Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais, e para motoristas que trafegam pelo Anel Rodoviário de Belo Horizonte. Aguardada há mais de duas décadas, a obra de pavimentação da BR-367, entre Salto da Divisa e Jacinto, sofreu corte de R$ 30 milhões. Os 61 quilômetros da rodovia federal que ligam o Norte de Minas ao Sul da Bahia vão permanecer em terra batida. Outras duas obras previstas para o estado sofreram cortes orçamentários: adequações no Anel Rodoviário da capital mineira e melhorias em trecho da BR-251, na Região Norte. Cada uma teve R$ 1,5 milhão cancelados. Em todo o país, foram 39 obras viárias com cortes de recursos, totalizando mais de R$ 360 milhões cancelados.
Leia Mais
Com obras atrasadas, parte da Via 710 deve ser entregue até o final do ano Sem licença ambiental, início das obras do novo Bento Rodrigues continua incertoGreve de caminhoneiros provocou perdas irreparáveis aos serviços, diz IBGESenado aprova medidas negociadas com caminhoneiros em maio para encerrar greveMinistro lança edital de duplicação da BR-135 entre Manga e Itacarambi Com verba das loterias, Temer sanciona lei que cria Sistema Único de SegurançaPara conter greves, governo usa centro de inteligência para monitorar redesTemer é o presidente mais impopular da história pós-ditadura militarO cancelamento de R$ 30.124.090,00 previstos para a pavimentação da BR-367 caiu como um balde de água fria para motoristas que passam pelo trecho e moradores da região.
“Ouvimos as promessas para esta obra há tempos. No início do ano anunciaram que o recurso já estava previsto no orçamento de 2018. Então, usar agora a paralisação dos caminhoneiros para explicar esse corte é um absurdo, um álibi do governo. O movimento dos caminhoneiros foi justo e um direito deles brigar pela redução do combustível, a população não tem como criticar essa luta”, afirma o representante de vendas José Ribeiro de Souza, de 41 anos, morador de Jacinto.
O representante de vendas trafega entre Jacinto e Salto da Divisa semanalmente e vê com frequência acidentes e carros estragados pelo caminho. “É uma rodovia federal em terra batida, com pontes de madeira, completamente precárias. Os governantes não têm noção do que a obra representaria para essa região.
O administrador de empresas Fabiano Faria, de 38, natural de Bocaiuva, município do Norte de Minas, enviou cartas a todos os deputados federais mineiros e baianos ao saber sobre o cancelamento de parte dos recursos da obra. “Sr(a) deputado(a), qual o posicionamento sobre a situação da BR-367? Nem é preciso fazer contas para perceber que os custos com os prejuízos humanos, financeiros, materiais, sem falar nas dificuldades para o turismo, superam muito os custos de recuperação e melhoria da rodovia. Juntando os deputados dos dois estados vocês são 92 parlamentares. Tenho certeza de que se essa turma toda se juntar, a obra sai ainda este ano. Não há nada que justifique o que se vê por aqui. Por favor! Aguardamos seu posicionamento”, diz a carta. Até a noite de sábado, nenhum parlamentar respondeu a Fabiano.
Morador de Salto da Divisa, Kayo Melo Brito, de 28, já se cansou de ouvir anúncios de deputados sobre a liberação de verbas para a obra. “Em ano de eleição acontece sempre, os parlamentares parecem se lembrar da existência do Vale.
Saiba mais
A RODOVIA DE JK
A BR-367 começou a ser construída na década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek. A estrada começa em Diamantina, cidade natal do político mineiro, e vai até o litoral baiano, em Santa Cruz Cabrália. Ao abrir o caminho pelo sertão mineiro, JK sonhava em levar desenvolvimento para a região mais atrasada do estado, incentivando o comércio e o turismo na região, além de ligar as regiões Norte e Central de Minas ao Sul da Bahia. Alguns trechos começaram a receber asfalto na década de 1980, mas grande parte ficou em terra batida. A estrada passou anos esquecida, até que em 2010 foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o asfalto foi prometido pelo ex-presidente Lula. Desde então, uma série de problemas com projetos, licenças ambientais e cortes de recursos foram adiando a obra. Até hoje, mais de 100 quilômetros da rodovia permanecem sem asfalto, com trechos intransitáveis no período chuvoso.
Incertezas e novos atrasos
Dono da construtora Vilasa, empresa que venceu a licitação para a pavimentação da BR-367, Alberto Salum lamentou o corte de recursos destinado para a obra, mas espera que um remanejamento do governo federal permita que os trabalhos comecem ainda este ano. “Vencemos o processo licitatório, mas o contrato ainda não foi assinado ou homologado. Cortes são muito ruins e atrapalham muito o setor de infraestrutura. Esperamos muito que as próximas etapas sejam seguidas, porque sabemos da importância da obra.
Segundo o empresário, será importante uma mobilização da classe política da região junto ao governo federal para que ele seja convencido sobre a necessidade da pavimentação para levar desenvolvimento às cidades próximas da rodovia. “Os projetos estão prontos e a expectativa era de ter obra até dezembro. Ainda espero que isso seja possível, mas talvez dependerá de política e, hoje, a política no Brasil está muito complicada”, avalia Salum.
Um dia após a publicação dos cortes no Diário Oficial, o Ministério do Planejamento informou que os cancelamentos não tinham ligação com a redução do do preço do diesel e que já havia a previsão dos cancelamentos antes da crise com os caminhoneiros. Procurado pela reportagem, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não respondeu sobre o motivo do cancelamento das verbas ou se existe alguma previsão para o início das obras na BR-367. O Ministério dos Transportes informou que questões sobre remanejamento de verbas orçamentárias estão sob análise.
Sobre o Anel Rodoviário de BH, trecho viário mais movimentado da região metropolitana e com altos índices de acidentes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que um grupo de trabalho está finalizando um documento com resumo das propostas de ações para o trecho. Sobre o motivo do cancelamento de R$ 1,5 milhão para o Anel e sobre qual seria a destinação do montante, nem a ANTT, nem o Dnit, nem o Ministério dos Transportes se manifestaram. .