Jornal Estado de Minas

Eleições suplementares aprofundam desilusão do eleitor

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Antes mesmo que o calendário eleitoral de 2018 abra o prazo para a realização das convenções partidárias, já terão sido realizadas no primeiro semestre deste ano, em municípios país afora, 33 eleições suplementares e, a poucos meses de se encerrar este mandato – dois turnos de novo pleito no estado de Tocantins. Desde 2007 já foram realizadas 401 eleições suplementares municipais no país, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – aí se incluem, também, aquelas previstas para o próximo 24 de junho. Houve ainda eleições suplementares nos estados de Amazonas (2017) e em Tocantins (junho de 2018), com segundo turno em duas semanas.

Para além do custo financeiro de novas eleições despejado sobre um Estado em crise fiscal, – só o pleito de Tocantins tem orçamento estimado em R$ 15 milhões e as primeiras nove eleições suplementares em municípios mineiros deste ano R$ 570,8 mil – há o custo político e institucional. Com os desdobramentos dos resultados eleitorais que expressam a soberania do eleitor atropelada em situações diversas, – muitas vezes fúteis – cresce o desalento. Expressão desse sentimento de que “não adianta votar porque quem eu elejo não governa” se manifesta no aumento generalizado da abstenção e do encolhimento dos votos válidos nas eleições suplementares.

A tendência perversa se revela nas estatísticas. No pleito de 3 de junho, em Ipatinga, município de porte médio no Vale do Aço, – eleitorado é de 180.222 – a abstenção que havia sido de 20,93% nas eleições de 2016 saltou na suplementar para 31,71%. Ausentes das urnas, somados aos eleitores que votaram branco ou nulo alcançaram 47% do eleitorado de Ipatinga, contra 32,94% em 2016. Da mesma forma, no primeiro turno das eleições suplementares para governador de Tocantins, realizado também em 3 de junho, 30,14% deixaram de comparecer, contra 19,6% no pleito de 2014.
A quatro meses das eleições gerais, os votos válidos nesse pleito estadual ,representaram apenas 56,4% do colégio eleitoral do estado.

Os dois casos – em uma cidade e num estado – reafirmam o desalento do eleitor anotado na série de 113 pleitos suplementares realizados entre 2013 e 2018, analisados pelo cientista político Bruno Souza Garcia, em sua dissertação “Eleições Suplementares para Prefeito (2013-2015): do perfil socioeconômico dos municípios ao comportamento eleitoral e partidário”: em 93,8% das disputas, houve redução expressiva na participação de eleitores, com aumento da abstenção.

Qualidade - Por um lado o Ministério Público e a Justiça Eleitoral negam excessos em sua atuação e a justificam. “Nossas eleições ainda são disputadas num ambiente de ganhar a qualquer custo, compra de votos e abuso de poder. Precisamos melhorar a qualidade da eleição”, afirma o promotor de Justiça e coordenador da Coordenadoria Estadual de Apoio aos Promotores Eleitorais (Cael), Edson Resende de Castro. Mas por outro lado, embora cientistas políticos e juristas considerem a importância de mecanismos de controle que evitem abusos do poder econômico e político que de fato possam macular resultados eleitorais, criticam a falta de cuidado com provas, excessivo “punitivismo” para lidar com situações de impacto periférico sobre o resultado do pleito.

“Há um componente nesta questão que perpassa a crise que vivemos, um certo ânimo punitivista, um sentido de missão no combate à corrupção, que cria uma disposição de caça às bruxas, que claramente aponta para uma linha excessiva nesta direção, sem muito cuidado com as provas”, considera o professor emérito da UFMG, o cientista político Fábio Wanderley Reis.

Opinião semelhante manifesta o jurista João Batista de Oliveira, especialista em direito eleitoral, para quem há excesso dos tribunais em relação às denúncias por abuso de poder político e econômico. “Faltas, as mais insignificantes, transformam-se em causa de cassação e, em consequência, de inelegibilidade. Muitas vezes, provas testemunhais, mesmo que fornecidas por adversários políticos, dão sustentação aos processos de cassação”, afirma. “Estamos num ambiente contaminado. Em vez de o Judiciário promover a paz, com um julgamento equilibrado, há situações em que se exacerba, porque acredita assim atender a uma expectativa contrária aos políticos.
A racionalidade do direito é para evitar o linchamento”, afirma João Batista de Oliveira.

Prefeitos ganham, mas não governam

São várias as razões que têm varrido prefeitos eleitos e levado à novas eleições suplementares. Entre elas estão alegações de abuso do poder econômico e político, como compra de votos. Mas é principalmente o indeferimento do registro de candidaturas após as eleições – os candidatos concorrem sub judice –, a principal causa de cassações de prefeitos. Muitas delas, não raro, consequência justamente das condenações por abuso de poder econômico e político. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, considerando as 19 eleições suplementares realizadas em Minas a partir de 2016, 84% delas se devem ao fato de os candidatos terem tido o registro negado de forma definitiva após o pleito.

Nesse quesito particular da elegibilidade, o Poder Judiciário voltou a “inovar” este ano. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu em março, que a inelegibilidade pelo período de oito anos, prevista pela Lei Ficha Limpa de 2010, aplicada aos políticos condenados por abuso de poder político e econômico,  deva retroceder antes mesmo de a norma ter entrado  em vigor. 

Sancionada em 4 de junho de 2010, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 2010) foi aplicada pela primeira vez em 2012. Ela modificou a Lei das Condições de Inelegibilidade (Lei Complementar de 64/90), que estabelecia três anos de inelegibilidade para condenações de abuso de poder político e econômico.

Na prática, a decisão do STF fez com que prefeitos eleitos em 2016 – como Sebastião Quintão (MDB), em Ipatinga e Geraldo Hilário (PP), em Timóteo – fossem cassados quase dois anos depois de eleitos, porque condenados pela Justiça Eleitoral por abuso de poder político ou econômico em 2008.

Embora tenham cumprido à época a sanção de três anos de inelegibilidade, conforme previa a legislação em vigor. Andando em círculos, o entendimento do STF obrigou a novas eleições em cidades onde os próprios prefeitos cassados já estariam aptos a concorrer novamente se desejassem.
“O STF fez interpretação em desfavor do indivíduo, o que provoca uma insegurança eleitoral. Isso está no bojo do comportamento autoritário do Poder Judiciário em matéria de caráter punitivo”, considera o jurista João Batista de Oliveira.

Em crítica às excessivas condenações da Justiça Eleitoral pelo que se considera abuso de poder econômico e político, João Batista de Oliveira assinala, em defesa de provas materiais: “Receber uma denúncia não é um mero despacho. Tem de analisar se há elementos que indicam fato criminoso”.  Segundo ele, no caso eleitoral tem sido dado grande valor à prova testemunhal como decisiva para condenação. “Além disso se dá relevância a pequenos fatos que não têm condição de macular a decisão do povo. Às vezes um candidato em reunião com os eleitores serve um café e já acham que é abuso de poder, ao ponto de cassar o mandato”, acrescenta.

 

 

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