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Estado de Minas

Camisa da Seleção vira problema para torcedor que foi contra o impeachment

Desanimados com o desemprego, a corrupção e as eleições, muitos brasileiros, sobretudo os de posicionamento de esquerda, ainda não decidiram como torcer na Copa


postado em 12/06/2018 06:00 / atualizado em 12/06/2018 17:22

Rua enfeitada e pintada no Bairro Caiçara, na Região Noroeste de Belo Horizonte: ambiente de Copa do Mundo ainda é tímido em locais públicos da capital mineira(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A.Press)
Rua enfeitada e pintada no Bairro Caiçara, na Região Noroeste de Belo Horizonte: ambiente de Copa do Mundo ainda é tímido em locais públicos da capital mineira (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A.Press)

A menos de uma semana da estreia da Seleção no Mundial da Rússia, os brasileiros estão mais preocupados com os problemas do cenário político do que com o que acontecerá dentro das quatro linhas. De acordo com estudo da Diretoria de Análise de Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), desde o fim do mês passado, temas como desemprego, corrupção, eleições e a greve dos caminhoneiros tiveram mais atenção nas redes sociais do que a Seleção. Nos últimos 12 dias, foram 2,3 milhões de menções nas redes à Seleção Brasileira e à Copa, enquanto 4,8 milhões de postagens tratavam de temas políticos. Nas redes sociais, os debates sobre o apoio ao time brasileiro (ainda que em segundo plano) são calorosos e movimentam muitos torcedores às vésperas do Mundial.

A insatisfação dos torcedores com a política vai até trazer tons diferentes para a torcida brasileira durante a Copa. Descontentes com o governo Temer e sem querer se associar com a camisa oficial da Confederação Brasileira de Futebol – camisa usada por muitos manifestantes nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff – muitos torcedores optam por camisas de cores diferentes do tradicional verde-amarelo e outros podem optar por torcer com a camisa de seus clubes, deixando de lado a camisa da CBF.

Misturando futebol e protesto político, a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso lançou uma camisa vermelha inédita para a Seleção. Inicialmente, a camisa vermelha tinha o escudo da CBF, mas nas versões mais recentes o símbolo da entidade foi excluído. Em um vídeo publicado na sua rede social, a mineira afirmou que a ideia da camisa surgiu do incômodo dela e de amigos em torcer pela Seleção usando a camisa oficial da CBF após vestimenta ser usada por manifestantes da direita.

Poucos dias após lançar a camisa vermelha, a entidade máxima do futebol nacional notificou Luísa e pediu para que ela não vendesse mais a camisa com o símbolo da CBF. A logo da entidade foi retirada da blusa e a nova versão continua sendo vendida com opções de números 13, 50 ou sem número. O preço por camisa é de R$ 45. A reportagem procurou a designer para saber o total de camisas vendidas até agora, mas não teve retorno.

O escritor Marcelo Rubens Paiva, apaixonado por futebol, tem sido duro crítico da CBF. Ele afirma que jogou fora as duas camisas que tinha da Seleção depois do impeachment de Dilma e que deve torcer pelo Brasil com a camisa do Corinthians. Outros fatores que contribuíram para aumentar a antipatia e o repúdio ao escudo da entidade foram as denúncias de corrupção envolvendo seus dirigentes.

FUTEBOL E POLÍTICA

O uso político da Seleção é histórico no Brasil. Uma das maiores paixões nacional e motivo de orgulho – deixando de lado o 7 a 1 em pleno Mineirão em 2014 – não passaria incólume pelos interesses políticos, independentemente dos partidos no poder. Ao longo dos anos foi comum a tentativa de associar a imagem de sucesso do futebol a governos.

Antes mesmo do primeiro título mundial da Seleção, na década de 1930 o então presidente Getúlio Vargas percebeu a importância do esporte para a população, afetando o humor de grande parte da sociedade. Na Copa de 1934, na Itália, Vargas estabeleceu uma zona de influência dentro da equipe, determinando que Lourival Fontes, homem-forte do governo, se tornasse o chefe da delegação. A partir de então, os atletas brasileiros passaram a representar internacionalmente – no discurso oficial – uma espécie de “novo homem brasileiro”.

Em 1950, ao receber o Mundial pela primeira vez, a atuação política para usar o futebol como símbolo do país ficou ainda mais clara. A construção do Maracanã – na época o maior estádio do mundo – se tornou uma demonstração da força nacional e foi muito usada no discurso político. “Era como se a construção do Maracanã e a vitória na Copa dessem uma lição ao mundo sobre a grandiosidade da nação. E o governo tentava faturar em cima disso, apesar de todos os problemas econômicos com a alta inflação gerada por um crescimento financeiro desequilibrado’, avalia a jornalista Vanessa Gonçalves da Silva, em seu estudo A força de uma paixão: Política e Futebol durante a ditadura militar no Brasil.

Segundo Vanessa, na Copa de1970, um dos períodos mais violentos da ditadura militar, houve forte uso político da Seleção para angariar apoio popular. “O jingle oficial é conhecido até hoje (“90 milhões em ação, para frente Brasil, salve a Seleção …”). Como Médici era apaixonado por futebol, buscou sempre essa ligação e sabia da importância do futebol. A Seleção fez uma visita na sede do governo e tem a foto com todos os atletas perfilados, como se fosse parte do Exército mesmo. A intenção era demonstrar que eles representavam o governo”, explica Vanessa.

Diante desse cenário, a militância que se opunha ao governo militar torceu contra a Seleção? “Nada disso. A maioria das pessoas, inclusive presos políticos, conseguia separar muito bem as duas coisas. Os poucos que viam com contrariedade essa ligação forçada entre o time e o governo logo foram contaminados pela qualidade da Seleção brasileira. E a grande maioria entendia que a Seleção era algo do país, não da ditadura”, explica Vanessa, que entrevistou vários presos políticos da década de 1970 para saber o que eles pensavam sobre a seleção.

ANTIPATIA Durante a Copa de 1970, o médico Apolo Heringer Lisboa, vivia clandestinamente na zona morte do Rio de Janeiro. Sem televisão em casa, o rádio era o veículo usado para acompanhar os jogos do Brasil. Segundo Apolo, pouquíssimos militantes torceram contra a equipe de Pelé, Jairzinho e Tostão, mas representantes do governo tentaram mostrar na imprensa que a oposição aos militares torcia contra o país.

“Eu era torcedor fanático da Seleção. Os militares tentaram manipular a situação, vendendo a imagem de que a equipe era do Estado e que era preciso amar o país como o povo amava a seleção. Acho que o mesmo acontecerá agora, as pessoas sabem diferenciar as coisas. Temer está com prazo esgotado,E criou-se uma antipatia das camisas da CBF, mas todo mundo vai torcer muito pelo Brasil’, aposta Apolo.

 


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