Uma audiência pública no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, reuniu ontem representantes do esporte brasileiro – Comitê Olímpico do Brasil (COB), Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e de todas as confederações esportivas e clubes do país –, para discutir a Medida Provisória 841, editada pelo governo federal, que cria o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e transfere parte dos recursos das loterias esportivas para a segurança pública. A MP é vista como atentado, põe em risco o esporte brasileiro e ameaça o fim das competições existentes no país. Além do esporte, a cultura perderá recursos, o que provocou protestos do próprio ministério.
O anúncio feito na segunda-feira pela Presidência da República gerou convulsão no mundo esportivo, unindo dirigentes de confederações e clube e atletas, como Hortência, Paula, Oscar e Gersão, do basquete; Nalbert, Carlão e Pelé, do vôlei; Lars e Torben Grael do iatismo, entre outros. Ontem, por exemplo, em Brasília, nunca antes haviam sido vistos tantos dirigentes esportivos juntos.
O iatista Lars Grael, presidente da Comissão de Atletas, é contundente: “Essa MP é um crime de lesa pátria. Não se pode fazer isso com o esporte. O ex-ministro dos Esportes Leonardo Picciani fez grave acusação: “O benefício não iria para a segurança, privilegiaria a Caixa Econômica Federal. Não é uma medida provisória para a segurança, mas para a instituição financeira.”
Segundo Sérgio Bruno Zech Coelho, ex-presidente do Minas e atual presidente do Conselho Deliberativo do clube, que participou da audiência pública, o que se viu foi uma indignação e rejeição, inclusive, de deputados. “Dissemos que são eles próprios que têm condições de barrar a MP, que seria retrocesso enorme para o país, pois o esporte faz parte da educação, principalmente”, afirmou.
A grande representatividade do meio esportivo brasileiro chamou a atenção de todos, a ponto de o ministro dos Esportes, Leandro Cruz, que está na Rússia, emitir nota contra a proposta: “O Ministério do Esporte tem plena consciência da crise na segurança pública que afeta a vida dos brasileiros. É muito claro para todos nós que essa é uma área que merece receber investimentos urgentes e prioritários do poder público. Mas nunca em detrimento do esporte, sabidamente forte aliado no combate à violência.”
Segundo ele, não há como concordar com a decisão de tirar recursos do esporte como os direcionados aos clubes formadores de atletas olímpicos e paralímpicos e às entidades que fomentam o esporte escolar e universitário. “Modificar a legislação que regula a distribuição de verbas das loterias não ajuda a resolver o problema. É essencial a compreensão de uma união de ações em favor da segurança, cada setor com suas estratégias. E o esporte é uma ferramenta poderosa. Queremos continuar dando nossa contribuição, mas, ao inviabilizar as fontes de financiamento de vários setores esportivos, a medida provisória editada coloca o esporte para escanteio”, afirmou.
Para o ministro, a MP atinge não só o esporte de alto rendimento, mas principalmente a prática esportiva como política educacional. “Estamos unidos a toda a comunidade esportiva e faremos tudo para reverter essa situação. Vamos trabalhar junto ao governo para modificar a MP durante a tramitação no Congresso e assegurar a manutenção do financiamento do sistema desportivo brasileiro. Não se trata de crítica a uma decisão presidencial, que pensa o Brasil como um todo, mas reflexão de quem é responsável pela formulação pública do esporte brasileiro. O esporte é uma ferramenta fundamental de desenvolvimento social e não pode ser prejudicado por uma legislação que joga contra todos os brasileiros”, completou
SECRETARIAS Sérgio Bruno disse que a medida provisória propõe redução drástica dos recursos do COB e CPB e praticamente zera a ajuda que as secretarias estaduais de esporte recebem hoje, o que é usado para fomentar o esporte em todos os estados. Ricardo Sapp, secretário de Esportes de Minas Gerais, também se manifestou contra a medida. “É claro que é importante o investimento na segurança, mas o esporte é um dos pilares que mais contribuem para retirar crianças e jovens da criminalidade, além de impulsionar o desenvolvimento humano e reduzir gastos com áreas da saúde e segurança pública. Trata-se de uma estratégia um tanto controversa do governo federal promover a ampliação de uma área em detrimento de outra de fundamental importância”, afirmou, ressaltando sua preocupação com a realização de eventos esportivos pelos governos estaduais.
“Caso esses recursos sejam retirados do esporte, podem reduzir o repasse para os estados e inviabilizar a realização dos Jogos Escolares, por exemplo, deixando milhares de jovens longe das atividades esportivas, além de reduzir as ações de fomento ao paradesporto e o investimento em obras”, avaliou.
Os clubes também se manifestaram através do CBC. “O Comitê Brasileiro de Clubes – CBC comunica que foi editada pelo presidente da República a Medida Provisória 841/2018, que, além de tratar sobre política de segurança pública nacional, também faz a redistribuição dos recursos das loterias federais. Como se sabe, os recursos para a formação de atletas olímpicos e paralímpicos destinados aos clubes formadores, por meio do CBC, advém desta fonte. Ocorre que a citada medida provisória revogou o artigo 56, § 10º, da Lei 9.615/1998, o qual destinava os recursos para o CBC, ou seja, foi extinta a fonte de recursos públicos do CBC. Assim, a partir de hoje, não teremos mais o depósito pela Caixa Econômica Federal destes recursos na conta bancária do CBC”, lembrou.
MINAS TC PROTESTA A MP teve reação negativa também em Minas Gerais, com os clubes se unindo e protestando. O Minas TC divulgou nota, ao término da audiência pública de Brasília, assinada por seu presidente, Ricardo Santiago, pelo vice, Carlos Henrique Martins Teixeira, e pelo presidente do Conselho Deliberativo do clube, Sérgio Bruno Zech Coelho. “É indiscutível a importância da segurança pública para a população brasileira, principalmente neste momento de crise de valores, em que a violência generalizada se alastra por todo o país. Mas realocar recursos financeiros do esporte para a segurança pública não é a solução. Pelo contrário, é ineficaz, além de injusto, uma vez que o esporte é, comprovadamente, aliado indispensável no combate à violência”, afirma a nota. “A relevante contribuição do esporte, seja de inclusão, de formação ou de alto rendimento, para o desenvolvimento de milhares de crianças e adolescentes brasileiros é inegável. O esporte tira os jovens da rua, afasta-os das drogas, dá a eles perspectiva de vida, oportunidades de ascensão social. O esporte é ferramenta indispensável para a valorização da cidadania, a promoção da saúde e o estímulo à educação. Esses são direitos da população, e é dever do Estado provê-los”, conclui a nota.