Brasília - Relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin acumula uma série de derrotas na Segunda Turma, inclusive em questões cruciais da operação, como a condenação de políticos por receber dinheiro de origem ilícita via caixa 2 ou travestido de doação eleitoral oficial. Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo nas 30 votações mais importantes no colegiado sobre casos da Lava-Jato e desdobramentos aponta que Fachin foi derrotado ao menos 13 vezes desde que assumiu a relatoria da operação, em fevereiro de 2017.
Como relator, Fachin costuma acolher pedidos da Procuradoria. Suas derrotas refletem a divisão da Corte em relação à Lava-Jato, o que já motivou debates entre ministros, como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Diferentemente do que ocorre no plenário, a ala que costuma acompanhar Gilmar é maioria na Segunda Turma (além de Fachin e Gilmar, o colegiado é formado por Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello). A composição já fez Fachin mudar a estratégia e optar por levar algumas questões diretamente ao plenário, em que conseguiu reverter placares desfavoráveis na Segunda Turma.
O caso de maior repercussão foi o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha como pano de fundo a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Na ocasião, o relator da Lava-Jato saiu vitorioso.
Em setembro, a composição da Segunda Turma sofrerá mudança. Toffoli sairá para assumir a presidência do Supremo e Cármen Lúcia deixará o comando do tribunal e retornará ao colegiado. A troca deve alterar o perfil da Segunda Turma, apelidada de "Jardim do Éden" por ser considerada menos rigorosa do que a Primeira Turma (mais informações nesta página).
Caixa 2
O mais recente revés de Fachin ocorreu na semana passada, quando a Segunda Turma absolveu Gleisi por 3 votos a 2 do crime de caixa 2, contrariando a posição do relator e de Celso de Mello. Conforme a Procuradoria-Geral da República, foram feitas quatro entregas de R$ 250 mil cada em espécie, que teriam sido usados na campanha de Gleisi sem registro - para Fachin, os atos se enquadrariam como caixa 2, e não como corrupção passiva, como alegava a Procuradoria.
Gleisi, no entanto, foi absolvida das acusações de caixa 2, conforme o entendimento de Toffoli, Lewandowski e Gilmar, que não viram provas suficientes para condenar a petista. Os três ministros concordaram que não se poderia punir a senadora apenas com base em afirmações de delatores.
Em maio, a Segunda Turma condenou Meurer, por unanimidade, a 13 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tornando-o o primeiro parlamentar condenado pela Corte na Lava-Jato. O julgamento, porém, impôs derrotas ao relator da operação. Por 3 a 2, os ministros não viram crime numa doação oficial de R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão.
A absolvição de Meurer da acusação de receber propina travestida de doação eleitoral e a decisão de inocentar Gleisi por caixa 2 foram recebidas com preocupação por investigadores, já que muitos casos da Lava-Jato tratam de políticos com denúncias similares.
O mapeamento das votações mostra que Celso de Mello é o ministro que mais concorda com Fachin nos casos mais relevantes da Lava-Jato julgados na turma - eles convergiram em 92,6% das vezes. Gilmar, o mais ferrenho crítico no Supremo dos métodos de investigação da Lava-Jato, é quem mais diverge de Fachin: concordou com o colega em 50% das vezes.
Fachin informou, em nota, que é "equivocado o conceito de derrota ou de vitória de magistrado integrante de colegiado". "Juiz não tem causa, é a parte ou são terceiros interessados que têm sucesso ou insucesso no resultado de suas demandas", disse.
Mudança de perfil
A saída do ministro Dias Toffoli e o retorno de Cármen Lúcia para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em setembro, mudará o perfil do colegiado e o tornará mais rigoroso na condenação de políticos investigados na Operação Lava-Jato, avaliam ministros, auxiliares e advogados criminalistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Cármen é considerada dura em casos de corrupção e mais sensível ao clamor da opinião pública. A ministra, atual presidente do STF, vai deixar o comando da Corte em setembro e voltará para o colegiado. Já Toffoli fará o caminho contrário - sai da Segunda Turma e assume a presidência do tribunal.
A aposta nos bastidores é a de que a atual presidente do STF tenderá a votar alinhada com o ministro Edson Fachin na Segunda Turma, aumentando as chances de a posição do relator da Lava-Jato sair vencedora.
No plenário do Supremo, Cármen e Fachin concordaram com a rejeição dos pedidos de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-ministro Antonio Palocci. Os dois ministros também são favoráveis à possibilidade de execução provisória de penas, como a prisão após condenação em segunda instância.
"Sem dúvida alguma, talvez tenhamos aí um endurecimento na aplicação das regras penais", disse ao jornal o ministro Marco Aurélio Mello, ao ser questionado sobre a troca de integrantes no colegiado.
Marco Aurélio integra a Primeira Turma da Corte, conhecida como "câmara de gás", por ser mais dura na concessão de habeas corpus e na condenação de réus. O temor de advogados ouvidos reservadamente pela reportagem é de que a Segunda Turma se transforme numa outra "câmara de gás".
Reservadamente, um advogado admitiu que trabalha para que os casos de seus clientes sejam julgados pela atual composição da Turma, antes da troca de Toffoli por Cármen.