Brasília – Os escândalos de corrupção no Brasil levaram a sociedade a fazer análises mais duras sobre crimes como pagamento de propina e lavagem de dinheiro. Tida como marco para o combate a essas ações, a Operação Lava-Jato, que completou quatro anos em março, desencadeou uma série de outras investigações. Mais que isso. Mudou a forma como a população, agentes públicos, de segurança e da Justiça encaram os esquemas.
Para especialistas, os números mostram a mudança de comportamento na sociedade, que se empoderou. Eles acreditam que a pressão popular fez com que instituições como a Polícia Federal (PF), o Ministério Público Federal (MPF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) ficassem ainda mais rigorosos com essas apurações.
Para Cristiano Noronha, analista político da consultoria Arko Advice, muitos esquemas só foram descobertos a partir da colaboração de algum dos investigados com o MPF e a Polícia Federal — a famosa delação premiada. “A sociedade percebe que está havendo um aumento nos casos de corrupção por causa das investigações e das denúncias. Isso se deve, em parte, à colaboração dos investigados.” O cenário, diz Cristiano, reduz o nível de tolerância da sociedade. Para ele, a falta de convicção do brasileiro na política e os escândalos revelados nos últimos anos tendem a fortalecer os candidatos que levantarem a bandeira anticorrupção.
Rui Tavares Maluf, cientista político da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o aumento das operações reflete o aumento da parcela da sociedade que é intolerante com essas práticas. “Com operações bem-sucedidas, passa-se a ter mais informações, abre-se nova janela que não estava sendo vista antes. O número de pessoas inconformadas aumentou”, avalia.
Instrumentalizado
“Não é possível desarticular o combate à corrupção instrumentalizado no Brasil. Mesmo com a troca de comando de líderes de instituições dedicadas a esse trabalho”, explica Antônio José Barbosa, professor de história política contemporânea da Universidade de Brasília (UnB). Ele diz que as instituições só funcionam perfeitamente com pessoas que têm diferenças, idiossincrasias e interesses. “Essas diferenças não têm força para paralisar ou mesquinhar uma operação como a Lava-Jato. A sociedade não permitiria isso”, pondera.
Antônio acredita que ainda é cedo para se falar em mudança cultural, mas avalia que desde o mensalão (escândalo de corrupção envolvendo a compra de votos Congresso) e o petrolão (esquema de desvio e pagamentos de propina na Petrobras), algumas instituições mudaram sua forma de agir.
Exemplo disso foi quando o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot criticou a sucessora, Raquel Dodge, de atrapalhar a Lava-Jato. Janot disse que Dodge e o ex-diretor da Polícia Federal Fernando Segóvia estavam dificultando as investigações da operação Lava Jato e desviando o foco de alguns políticos.
Mesmo com as acusações, Antônio destaca que ninguém “impediu” o combate à corrupção. “As diferenças de personalidade e de natureza de cada líder desses órgãos não são fortes suficientes para acabar o trabalho de combate à corrupção. Pode ter momento de maior visibilidade, outros de maior quietação, mas ele vai continuar incessantemente”, conclui.
Herança cultural
O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), destaca que a corrupção está enraizada na cultura humana. Segundo ele, essa prática ficou mais comum com a acumulação de riqueza e propriedade privada. “A corrupção tem sido combatida ao longo dos séculos, sobretudo nas sociedades capitalistas que criaram leis e instituições que deram o mínimo controle”, explica.
No Brasil, a origem colonial – em que o país se ligava a uma metrópole decadente e corrupta — colaborou com esse perfil. “A corte, que se instalou no Rio de Janeiro, era muito corrupta. A corrupção é endêmica na sociedade brasileira”, acrescenta. Para ele, combate à corrupção tem que ser feito de modo que a população protagonize a discussão, do contrário há desvios. “Essa bandeira acaba sendo usada pelo político que quer fazer demagogia”, critica.