Brasília – O presidente Michel Temer decide nos próximos dias se veta alguns artigos do projeto de lei que trata da proteção aos dados pessoais, aprovado no Congresso Nacional na semana passada. O trecho que está sendo avaliado se refere à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Mas, enquanto o debate sobre o sigilo das informações dos cidadãos ocorre no Legislativo e no Executivo, na internet essas informações são vendidas livremente. Além de servirem de ferramenta para pessoas mal-intencionadas, esses registros podem afetar o resultado das eleições deste ano. Muitos dos dados vazados ilegalmente saíram de sistemas do próprio governo e foram parar nas mãos de criminosos virtuais.
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Busca por eleição na internet é a maior desde 2004Presidenciáveis 'antecipam' horário eleitoral na internetFinanciamento coletivo para doações eleitorais começa tímido na internetEsse caso, entretanto, está longe de ser o único problema relacionado ao vazamento de conteúdo sensível. Em busca rápida na internet é possível encontrar venda de programas de computador e CDs com informações que podem prejudicar a vida das pessoas.
A reportagem do foi além e navegou por uma camada mais profunda da internet. Na chamada deep web, região da internet que só pode ser acessada mediante endereços específicos e muitas vezes com a realização de cadastros, sites de vendas oferecem dados de cidadãos do Brasil e de outros países. É possível encontrar até mesmo o número de registro de passaportes, que podem servir para falsificação de documentos. Esse é o caso do Wall Street Market, um grande mercado negro virtual que oferece desde drogas até informações sobre autoridades de diversas nações por menos de 11 centavos de euro (R$ 0,77).
Com a finalidade de reduzir os danos causados por causa do vazamento de informações, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios atua no combate a endereços como o Tudo Sobre Todos. O procurador Frederico Meinberg, coordenador da Comissão de Proteção dos Dados Pessoais do órgão, destaca que a estratégia de combate mudou neste ano.
VAZAMENTO NO PODER PÚBLICO Uma fonte que tem acesso às informações virtuais de cidadãos armazenados pelo governo, que prefere não se identificar, afirma que os dados vazam em grande quantidade de bancos de dados do poder público. Um dos programas com fragilidades e foi alvo de investida de crackers é o Infoseg, que era gerenciado pelo Ministério da Justiça e agora está no Ministério da Segurança Pública.
Outra origem de vazamentos, segundo a fonte, é o Serviço Nacional de Processamentos de Dados (Serpro), que envia informações para outros órgãos públicos. “O governo não admite o vazamento dos dados. Mas é possível ver na internet e no comércio ilegal informações até mesmo de pessoas ribeirinhas, que vivem em locais remotos do país, como no interior da Amazônia, onde nem existe acesso a internet. Não são dados antigos”, afirma a fonte.
Projeto restringe acesso de dados
Nos moldes da legislação europeia, o Projeto de Lei 53/2018, aprovado pelo Senado, na semana passada, pretende revolucionar a forma como empresas privadas e o setor público tratam os dados de toda a população brasileira.
Bruna Martins, pesquisadora da Coding Rights — ONG que atua na garantia de direitos digitais — destaca a importância da legislação se adequar aos avanços tecnológicos. “Os riscos desses vazamentos na internet são enormes. Temos casos de empresas que publicaram listas de portadores do vírus HIV ou de beneficiários de programas sociais. Isso tudo pode gerar uma onda de preconceito e hostilização. Esperamos que esse projeto seja sancionado sem vetos”, ressaltou.
Órgãos prometem segurança
Procurado pela reportagem, o Serpro informou que mantém todas as medidas de segurança para garantir a integridade dos serviços. “O Serpro não possui nenhum contrato ou relação comercial com o site Tudo Sobre Todos.
O Ministério da Segurança Pública afirmou, em nota, que a “Rede Infoseg é a maior aplicação de transmissão de dados sensíveis em atividade no território nacional, subsidiando mais de 65 mil usuários ativos, distribuídos em cerca de 600 órgãos federais, estaduais, distrital e municipais” e “passou por uma revisão profunda para impedir vazamento ou roubo de informação.” A pasta destacou que, “no passado, ocorreram maus usos da ferramenta por parte de usuários de conduta repreensível”, mas que, “em abril de 2017, entrou em operação na nova plataforma denominada Sinesp Infoseg, modernizada, com ênfase na segurança da informação como principal objetivo a ser atingido.”
O ministério ressaltou que mudou as políticas de acesso e que mantém auditorias e normas de segurança. “Sinesp Infoseg disponibiliza aos seus usuários devidamente registrados e autorizados apenas dados consultados de forma individualizada, ou seja, não facultando acesso a outros sistemas ou serviços, muito menos às bases proprietárias integrais, pois se assim agíssemos estaríamos contrariando os acordos firmados”, afirmou. .