Em crise e com verba limitada para investir, o Brasil ainda desperdiça o pouco que tem. O país conta com 2.796 obras com recursos federais paradas, sendo 253 delas em Minas Gerais, onde a inércia leva o dinheiro público a se desfazer com o tempo. As informações são da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que elaborou o estudo “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema?”, a partir de dados do Ministério do Planejamento. As intervenções inacabadas em Minas somam R$ 808 milhões e afetam todas as áreas, passando por saúde, educação, saneamento e transporte. No Brasil, esse montante já custou R$ 10,7 bilhões.
De acordo com os dados em Minas, aos quais o Estado de Minas teve acesso com exclusividade, metade das construções paralisadas no estado (127) se refere a empreendimentos sociais, como escolas, creches, centros de saúde, hospitais. Um exemplo é o Pronto-Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), no Triângulo Mineiro.
Em abril, o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu decisão judicial que obrigou empreiteira a desocupar a área da obra de ampliação do prédio, parada há três anos. O projeto de ampliação foi incluído no Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais, lançado pelo governo federal em 2010, que destinou R$ 94,7 milhões para a obra, mas a empreiteira contratada abandonou os trabalhos.
Segundo o levantamento, 34 obras, que representam 13,4% do total, são projetos de infraestrutura, de estradas a redes de esgoto. Esperado há décadas pela população, na lista de obras paradas está o sistema de esgoto na Bacia do Córrego do Bonsucesso, na Região do Barreiro, na capital. Orçada em R$ 13,9 milhões, a intervenção para prevenir enchentes na região está no pacote do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), responsável pela execução, a licitação foi reaberta no mês passado para a retomada da obra. “Inicialmente, a licitação foi aberta em 12 de abril. Devido a questionamentos de empresas participantes do processo, foi necessária uma adequação da planilha orçamentária e, com isso, a reabertura do processo”, informa a PBH em nota.
O estudo indica que, entre os principais motivos que levaram à interrupção, estão problemas técnicos, abandono de empresas e dificuldades financeiras. “Quando for retomada fica mais cara, porque tem que recuperar”, destaca o estudo. “Em grandes obras de infraestrutura, há dois problemas sérios: a má qualidade do projeto de engenharia e a incompatibilidade entre ciclos políticos”, afirma a especialista em infraestrutura da CNI, Ilana Ferreira. “Em licitações menores, há muitas empresas aventureiras, que não têm tradição no setor. Uma vez, identificamos que o dono de uma padaria estava tocando uma obra pública”, completa.
LONGA ESPERA
Desde o governo de Juscelino Kubitschek, na década de 1950, os mineiros esperam pela conclusão da pavimentação da BR-367, que atravessa os vales do Jequitinhonha e do Mucuri, ligando as regiões ao Sul da Bahia e à Região Central de Minas. Prometida por vários governos, nunca foi concluída. No orçamento da União de 2018, foram reservados R$ 30 milhões para a BR-367. A dotação representa apenas 10% do montante necessário para a obra, uma vez que o valor total orçado em 2012 foi de R$ 300 milhões.
Sem recursos, moradores sofrem com a falta do asfalto. “Para nós, é muito difícil. Na época das chuvas, a estrada fica intransitável por causa da lama. No período da seca, a gente tem que enfrentar muita poeira”, afirma Daugobert Coelho da Silva, funcionário da Prefeitura de Berilo, cidade cortada pela BR-367. Ele reclama que a população encara dificuldades para percorrer o trecho de terra de 40 quilômetros entre Berilo e Minas Novas. As pontes de madeira mal conservadas complicam mais ainda o percurso. Em outro sentido da estrada, são mais 29 quilômetros não pavimentados, entre Berilo e Virgem da Lapa.
O consultor em transporte e trânsito Osias Baptista reforça que há uma cultura no país de faltar recursos no meio da obra, além de problemas políticos. “O que é prioridade para um governo deixa de ser para outro. Obras contratadas somente em cima do projeto básico também representam um problema. É necessário haver um planejamento superior aos mandatos e que garanta entrada de recursos constantes, gerando ambiente de confiança”, afirma.
Outra obra federal em Minas Gerais que continua interrompida é a construção, no leito do Rio Pardo, da barragem de Berizal, no município homônimo, também no Norte de Minas. A barragem, iniciada em 1997, por intermédio do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), foi interrompida por problemas no licenciamento ambiental em 2002.
Desde então, os serviços não foram retomados, enfrentando também a escassez verbas. “A barragem de Berizal faz muita falta, pois é de fundamental importância na convivência com a seca”, afirma Fábio Ferreira de Aquino, produtor rural de Berizal. Segundo ele, por causa da falta d’água, muitos pequenos produtores estão abandonando a região. Ainda de acordo com Ferreira, serão necessários em torno de R$ 80 milhões para a conclusão da barragem.
Candidatos na mira
O estudo “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema?” é um dos 43 trabalhos feitos pela Confederação Nacional da Indústria para serem entregues aos candidatos à Presidência da República. A CNI identificou 2.796 obras paradas em todo o Brasil. O saneamento básico lidera o ranking, com 447 empreendimentos sem conclusão. O setor de infraestrutura representa 18,5% do total, com 517 obras, sendo 30 rodovias, 16 aeroportos, oito obras de mobilidade urbana, entre outros tipos. Entre os destaques do levantamento, estão o Projeto de Integração do Rio São Francisco, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste e a Ferrovia Transnordestina.