Flexibilizar a legislação que trata do porte e da compra de armas ou reduzir ao máximo o acesso da população a elas? A discussão, que envolve segurança pública e direitos individuais, é antiga, mas está retornando ao debate público.
Em 2005, um referendo foi convocado para ouvir a população sobre a comercialização de armas de fogo e munição. A maioria da população votou a favor. Treze anos depois, pesquisa CNT/MDA mostra que pelo menos 50,1% dos eleitores estão menos inclinados a votar em candidatos que se declaram a favor da liberação do porte de armas.
O estudo traz também a informação de que 24,3% dos eleitores estão mais propensos a votar em candidatos favoráveis ao porte de armas e que 20,5% não consideram a questão relevante na escolha do voto.
O Estado de Minas fez levantamento de entrevistas e declarações dos principais candidatos à Presidência da República sobre o assunto.
Jair Bolsonaro (PSL)
É o maior defensor do porte de armas. Em junho de 2015, o deputado federal, que é capitão da reserva do Exército, então filiado ao Partido Progressista (PP), participou de audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas que discutia mudanças no Estatuto do Desarmamento.
Na ocasião, ele declarou que “o cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país que quer ser democrático”. Em debate recente, o candidato afirmou que “se (Jesus) tivesse arma de fogo, usaria”, que a Bíblia prega o armamento e que “naquele tempo (da Bíblia) não tinha arma de fogo, senão com toda certeza seria ponto 50 e fuzil”.
Em vídeo divulgado em seu canal no YouTube, o candidato diz ainda que é “irresponsável” o governo que desarma o “cidadão de bem” e deixa a “vagabundagem” armada. Ele afirmou, entretanto, que são necessários critérios para que o cidadão adquira armamento.
“Não é só ir na birosca da esquina e comprar uma .40”, explica. Para ele, também é necessário atualizar o Código Penal para “a legítima defesa de fato”. “Você atirando em alguém dentro da sua casa, defendendo a vida ou o patrimônio, você responde, mas não tem punição”, defende.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
No primeiro ano de seu governo, em 2003, Lula sancionou o Estatuto do Desarmamento, que restringiu o porte e a posse de armas no Brasil. O texto estabelecia também referendo popular, que foi realizado em 2005 e não proibiu a comercialização de armamento no país. “Esta lei do desarmamento certamente não será solução para tudo, mas é um passo excepcional que vai poder nos dar, até a realização do referendo, o grau de maturidade que o povo brasileiro tem para enfrentar esse problema”, disse Lula na ocasião.
No fim do ano passado, o petista reafirmou, em ato no interior do Rio de Janeiro, a posição dele contrária à flexibilização da legislação armamentista. “Eles acham que para diminuir a violência é preciso distribuir arma para o povo; acho que é preciso distribuir emprego e salário”, afirmou.
Na ocasião, ele também defendeu que não daria “fuzil para fazendeiro”, mas “terra para trabalhador” – em referência a uma declaração de Jair Bolsonaro (PSL), que defendeu que donos de fazendas usassem armamento pesado contra invasões do MST.
Henrique Meirelles (MDB)
“É voltar à selvageria, à guerra civil. Ideia perigosíssima”, afirmou o emedebista em entrevista recente sobre a legalização do porte de armas para a população civil. Meirelles afirmou ainda que a segurança pública deve ser entendida como responsabilidade do Estado.
“Quem vai selecionar quem é homem de bem? O Estado está renunciando ao seu dever básico de garantir a segurança da sociedade. Legalizar o porte de armas seria o Estado abdicar da obrigação básica”, defendeu.
Em outra ocasião, quando participava de evento com ruralistas, o candidato também se declarou contra a flexibilização, mas afirmou ser “compreensível” a vontade de portar armas.
“Alguns dos senhores podem até preferir para se defender de uma invasão. É compreensível. Mas imaginem isso espalhado pelo país. Imaginem qualquer briga de trânsito”, afirmou. Recentemente, Meirelles criticou também o que chamou de ‘candidatos dos extremos’ ao afirmar que propõe “desfazer reformas fundamentais” e não fazer “reformas que ainda precisam ser feitas” e que “prometem distribuição de armas”.
Álvaro Dias (Podemos)
Em sabatina realizada em maio, o ex-governador do Paraná se posicionou favorável à flexibilização na legislação atual. “A incompetência do governo e a corrupção jogam no chão a segurança pública do país, e a consequência é esse desejo da legítima defesa”, afirma.
Para ele, o “cidadão entende que tem que portar arma para se defender legitimamente, e eu não posso negar esse direito”, argumentou. Em 2011, quando era líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias protocolou duas emendas à legislação que lida com o porte de armas a fim de flexibilizá-la para alguns setores do serviço público, como os oficiais de Justiça.
O candidato já afirmou também que o porte de arma para a sociedade civil é direito à “legítima defesa” e que “a autoridade se afrouxou” no país. Mas defendeu, em entrevista recente, que dispor armamento para a população não vai “resolver” a segurança pública.
“Não é distribuindo armas que vamos resolver a questão da segurança no país, pode até ser que agrave.
Guilherme Boulos (Psol)
“Acreditar que armar a população vai reduzir a violência é a mesma coisa que querer distribuir cachaça para acabar com o alcoolismo”, afirmou Guilherme Boulos (Psol), em entrevista recente.
De acordo com o candidato, crítico assíduo das propostas de flexibilização da legislação que lida com o porte de armas, acreditar que o acesso ao armamento pode ser solução para a segurança pública é “um contrassenso, um absurdo”.
“Nos lugares onde as pessoas têm mais armas, a insegurança só aumenta, porque as pessoas reagem de uma maneira mais ofensiva” e “todos os estudos mostram isso”, disse o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
O candidato propõe que políticas de segurança pública e redução de homicídios passem por “combate ao tráfico de armas” e no controle de armamento dentro do país. Além disso, o socialista propõe a reestruturação das polícias no Brasil.
“Desmilitarização de polícia com ciclo completo, que invista mais em ações de inteligência, investigação e prevenção do que na repressão”, avalia.
Marina Silva (Rede)
“Não se resolve o problema da segurança distribuindo armas para a população. Isso é uma insanidade”, afirmou a candidata da Rede em vídeo divulgado no seu perfil no Twitter. Marina Silva diz que “pesquisas mostram que, em uma casa onde tem arma, o risco de acontecer uma tragédia é incomparavelmente maior”.
Segundo ela, a segurança pública é um problema do Estado. “Nós temos que treinar continuamente nossos policiais, temos que valorizá-los economicamente e simbolicamente”, afirmou. A ex-senadora, em 2016, criticou modificações ao Estatuto do Desarmamento aprovadas no Congresso e as classificou como retrocesso de dimensões trágicas.
Na sua avaliação, o estatuto já “salvou vidas” e o número de homicídios no Brasil seria muito maior sem a legislação. A candidata acredita ainda que é necessário um “pacto em torno da paz social” e no aperfeiçoamento do Sistema Único de Segurança Pública, com medidas focadas na inteligência policial.
Geraldo Alckmin (PSDB)
Em 2018, Geraldo Alckmin, que anteriormente tinha declarado ser defensor do Estatuto do Desarmamento, afirmou que pretende flexibilizar o acesso ao porte de armas – principalmente para a população que vive na área rural. “Porte de armas pode ter. Na área rural até deve ser facilitado”, defendeu.
Apesar disso, no período em que foi governador de São Paulo, o tucano sempre apoiou a ideia de que quanto menor a circulação de armamentos, menores os índices de criminalidade.
O ex-governador ressaltou que é preciso cautela na discussão. “Vamos estudar tudo isso com detalhes. Não quero entrar nessa miudeza eleitoral. Precisamos verificar com seriedade”, declarou.
Na mesma ocasião, Alckmin disse que é preciso “tirar a arma da mão do bandido” e que armar a população “não é o caminho para trazer segurança no campo. Precisa ter investigação, ação de inteligência”.
Ciro Gomes (PDT)
Em entrevista recente, o pedetista afirmou ser “completamente contra” a liberação do porte de armas para a sociedade civil. “Você acha que um civil sem treinamento vai levar vantagem em um duelo contra um bandido?”, questionou.
Ele declarou também que quem defende armar todo mundo está “ganhando dinheiro da indústria bélica.” “Temos que combater essas coisas com certa dureza e o Brasil, vamos concordar, está empesteado de armas. A lei no Brasil é uma ficção, uma mentira”, sustenta.
Ciro Gomes diz ainda que entende os anseios da população, mas não acredita que flexibilizar o acesso ao armamento seja solução. “Eu sei que as pessoas estão com medo, mas a solução é a polícia. O governo proteger a população”. Segundo ele, o maior equívoco para enfrentar a bandidagem é imaginar que uma população armada, sem maior treinamento, vai reduzir a violência.
“Isso não é a experiência que a gente conhece no mundo. Os países que restringem o uso de armas têm menos violência. Eu não facilitarei a posse de arma para ninguém porque sou amante da paz e quero nosso povo protegido”, afirmou.
João Amoêdo (Novo)
O liberal João Amoêdo declarou em entrevista que segue as diretrizes do partido em relação ao desarmamento. “O Novo já se posicionou contra. A gente acha que a pessoa deve ter liberdade de portar arma, se for de seu interesse, claro que com responsabilidade.
A gente vai deixar que essa solução venha da população”, disse. O candidato declarou também durante recente sabatina que a legislação atual fez aumentar o número de assassinatos no país.
“Defendemos o direito à legítima defesa. O fato é que o número de assassinatos cresceu no Brasil com o Estatuto do Desarmamento em vigor. Quem a gente precisa desarmar não é o cidadão de bem, mas o bandido. Em respeito às liberdades, somos à favor”, disse.
O ex-banqueiro afirmou, ainda, que o referendo de 2005, que tratava da comercialização de armas de fogo no Brasil, não foi respeitado “Em 2005, 64% da população votou contra a proibição do comércio de armas de fogo no Brasil, mas hoje é praticamente impossível obter uma arma no Brasil. A decisão da maioria deveria ser respeitada”, argumenta.
*Estagiário sob a supervisão do editor Renato Scapolatempore.