A cirurgia de emergência de Jair Bolsonaro (PSL) na noite de quarta-feira levou os aliados a reavaliarem as estratégias de campanha durante o período de internação do presidenciável. No grupo, apesar da torcida pela definição da corrida eleitoral ainda no primeiro turno, a preocupação é com a segunda etapa do pleito. Primeiro, pelos altos índices de rejeição do deputado federal. Depois, pela possibilidade de ele permanecer no hospital por um período maior do que o previsto inicialmente. Em meio ao debate interno, fica exposta a divisão dos correligionários mais próximos do capitão reformado do Exército.
A dificuldade é sobre como fazer uma campanha intensa com o presidenciável no hospital, longe das ruas e dos debates, decisivos no segundo turno, pois colocam frente a frente os dois candidatos restantes na disputa. “É claro que é uma preocupação, mas essa campanha é tão insólita que deixar o púlpito vazio ou mesmo fazer transmissões de vídeo-conferências do hospital pode criar uma simpatia única e arrasadora em favor de Bolsonaro”, afirma um dos integrantes da tropa de estrategistas de Bolsonaro, que defende a não substituição do presidenciável por um aliado, por exemplo, o vice na chapa, general Hamilton Mourão.
Em São Paulo, na frente do hospital Albert Einstein — onde Bolsonaro está internado —, o coordenador da campanha, Major Olímpio, disse que a ausência do presidenciável dificulta grandes atos de rua. “Não temos essa capacidade de levar milhares de pessoas às ruas, como é característica e força de Jair, mas vamos levar a mensagem”, diz Olímpio, fazendo referência a ele mesmo, a Mourão e ao filho de Bolsonaro, Eduardo. O deputado chegou a defender a participação do general para substituir o parlamentar na campanha, o que revela desacordos em relação à estratégia a ser seguida.
Recuperação
A prorrogação do tempo de internação de Bolsonaro leva os aliados a centrarem esforços em São Paulo na tentativa de aumentar os percentuais de votos. “É preciso avaliar se os índices se manterão. Afinal, o candidato pode ter tirado o máximo de proveito da exposição da facada na mídia”, avalia Jairo Nicolau, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Uma coisa é faltar a um debate no primeiro turno, com vários candidatos, pois isso não deve afetar os atuais índices de Bolsonaro. Mas, no segundo turno, isso pode ser bem diferente.”
O questionamento principal dos estrategistas é quanto tempo Bolsonaro terá de recuperação e como buscar atrair votos neste momento. Aliados do PRTB, legenda de Mourão, defendem que a campanha seja vocalizada por outros protagonistas, como o próprio vice. Filhos do presidenciável refutam a possibilidade, mas ainda avaliam como representá-lo. “Está difícil para a família fazer campanha, porque a cada momento há um fato novo. Por causa de um atentado contra o meu pai, a gente tem de se readaptar”, declarou Flávio Bolsonaro, que concorre a uma vaga no Senado pelo Rio de Janeiro.
A divisão entre aliados do PRTB e PSL é ruim e pode até provocar a regressão dos resultados obtidos por Bolsonaro, observa o cientista político Eurico Figueiredo, professor e diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Por esse motivo, ele acredita que a melhor estratégia é deixar Bolsonaro “falar por si”, ainda que do hospital. “O efeito que poderia ter do ataque se esgotou, mas a exposição na mídia pode acabar levando-os a concluir que a ausência dele é, também, uma presença. Ela cria uma esperança de desejo que pode atrair uma parcela de indecisos”, ponderou.
Deixar o púlpito dedicado a Bolsonaro livre nos debates também tende a fazer parte da estratégia. Por esse motivo, a ausência nas ruas pode não ser totalmente desvantajosa, destaca o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB). “O próprio boletim médico dele se torna uma estratégia de campanha”, analisa.
Manter a exposição de Bolsonaro ajuda a se consolidar no segundo turno, mas a estratégia terá que ser reavaliada na etapa final. Afinal, o quadro ainda é “muito grave”, embora estável, declarou ontem Flávio. A maior preocupação, destacou, é com o risco de infecções, uma vez que a cirurgia foi “bastante invasiva”. As próximas 72 horas são as mais delicadas, explica o médico Alfredo Guarischi, cirurgião geral e membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). De hoje a 8 de outubro, quando se inicia o segundo turno, são 25 dias. Em duas semanas, Bolsonaro pode estar em casa. Tempo suficiente para manter os holofotes, mas incertos para estar apto a retomar as atividades de campanha, adverte Guarischi. “É improvável fixar um prazo delimitado. Um médico prudente deve ser cauteloso quanto a prazos”, pondera.