A primeira eleição para governador em Minas contou com a participação de poucos mineiros. Em 1892, sem espaço para mulheres e analfabetos – o que excluía quase inteiramente a população negra – pouco mais de 50 mil homens foram às urnas pela primeira vez eleger quem administraria o estado. O escolhido quase de forma unânime foi Afonso Pena, que assumiria como principal desafio em sua gestão garantir a mudança da capital de Ouro Preto para um novo lugar.
O cenário eleitoral de 126 anos atrás é bem diferente do atual, quando mais de 15 milhões de mineiros decidirão sobre o próximo governador. A estreia dos mineiros nas urnas é o tema do segundo episódio podcast Histórias do Poder, no qual o Estado de Minas contará até o fim das eleições casos marcantes e pouco conhecidos da política mineira.
"Nossa primeira eleição foi o que nós chamamos de eleição a bico de pena, em que havia controle absoluto dos caciques políticos sobre os eleitores. Os coronéis de diferentes regiões do estado se articulavam entre eles. Foi a constituição de um movimento oligárquico que perduraria por décadas em Minas", conta a historiadora Maria Efigênia Lage de Resende, autora do clássico estudo "Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: O novo Partido Republicano Mineiro".
Influente durante o período do Império e político habilidoso, o mineiro de Santa Bárbara Afonso Pena surgiu como opção das elites mineiras para um estado que brigava por autonomia em relação ao governo federal. O mineiro já havia atuado no governo de Dom Pedro II como ministro da Guerra, da Agricultura e da Justiça. Na eleição de maio de 1892, sem praticamente nenhum adversário, Afonso Pena recebeu cerca de 48 mil votos.
Nome de conciliação
A historiadora Cláudia Maria Ribeiro Viscardi, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ressalta que o tom conciliador de Afonso Pena foi fundamental para que ele se consolidasse como principal opção dos eleitores mineiros. "Havia um grupo de republicanos históricos do qual ele não fazia parte, já que foi conselheiro do Império. Ele era inicialmente um monarquista. Mas ao mesmo tempo, quando Cesário Alvim foi indicado (por Deodoro da Fonseca) para o governo, ele também não faz parte do grupo indicado. Ou seja, ele ficou no meio. E essa posição, assim como o fato de ser conciliador, foi decisiva para Afonso Pena", explica Cláudia Viscardi.A autora de "O teatro das oligarquias: Uma revisão da política café com leite" lembra que a primeira eleição em Minas tinha características muito diferentes dos pleitos atuais. "Ao contrário de hoje, na Primeira República qualquer um poderia ser candidato, mesmo sem participar de partido político nenhum. E o eleitor podia votar em qualquer nome, mesmo não sendo candidato. Houve muitos votos diversos, mas a escolha de Afonso Pena foi quase unânime. As eleições eram quase monopólicas", conta Cláudia Viscardi. A historiadora também cita que a primeira eleição foi marcada por uma participação exclusiva de uma "elite branca, letrada e masculina".
A nova capital
O primeiro governador eleito (ainda que com voto de parte dos mineiros) tomou posse em Ouro Preto, então capital de Minas. No entanto, ele já trabalhava para que a capital mudasse de lugar. "Antes mesmo de ser governador Afonso Pena discutiu muito sobre a mudança da sede do governo. O tema era motivo de disputa entre a elite mineira e cada grupo tinha interesse em implementar a capital em sua região", diz Cláudia Viscardi.Para evitar os embates entre os caciques políticos que reivindicavam a construção da nova cidade em sua região, Afonso Pena determinou em 1893 a criação de uma comissão que estudaria o lugar ideal para a construção da nova capital mineira. Para chefiar esse grupo, ele escolheu Aarão Reis. "Cumpri dever de governo leal, embora afrontando inúmeras contrariedades em época agitadíssima e cheia de perigos. Honro-me da boa escolha que fiz da comissão", afirmou o próprio Afonso Pena em suas memórias. A nova cidade, que ganhou o nome de Belo Horizonte, teria o nome do primeiro governador eleito gravado em sua primeira e mais famosa avenida.