"Se você vir um tatu em cima do toco, é porque alguém botou." A imagem foi usada, com sucesso, durante toda a campanha de Ciro Gomes (PDT). Sempre que ele repetia a frase, concluindo que tatu não sobe em toco, e, portanto, alguém o havia colocado lá, a plateia ria em sinal de aprovação. A metáfora tinha como objetivo explicar que os principais problemas do País não surgiram do acaso e, na maioria das vezes, haviam sido criados de forma intencional para atender determinados interesses.
Nesta eleição, assim como na anedota do tatu, Ciro também foi "colocado" em uma posição na qual provavelmente não chegaria sem a força irresistível das circunstâncias. Ciro não se transformou naquele que prometeu "acabar com a polarização odienta" ou no político que se declara "nem petista nem antipetista" por acaso. Ele também foi colocado lá, no "toco" da terceira via.
Para entender o caminho sinuoso que levou a candidatura de Ciro a se transformar em uma opção considerada moderada em um eventual segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é preciso retroceder até o conturbado mês de setembro de 2015. Na ocasião, foi entregue à Câmara o pedido de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff que mais tarde viria a ser aceito. No mesmo mês, Ciro trocava de partido pela sétima vez, deixando o PROS e filiando-se ao PDT.
Mesmo para um aliado, a fritura do governo petista parecia iminente. Sair de uma legenda pouco expressiva e abraçar um partido com história no campo da esquerda foi o primeiro movimento de quem estava olhando para frente, para 2018.
Ainda em 2016, Ciro declarou que não seria candidato caso o ex-presidente Lula decidisse disputar um terceiro mandato. Apenas em abril de 2017, afirmou ser candidato, independentemente da decisão do petista.
"Quando digo que não gostaria de ser candidato se o Lula também for, não é uma homenagem propriamente a ele, embora acredite que PT e PDT possam seguir juntos, apesar de nossas diferenças. Mas, se ele for candidato, 'passionaliza' e polariza de tal forma o ambiente que os eleitores terão dificuldade de encontrar meu discurso, centrado em temas que considero sérios, distantes da polarização simplória que ele representa", disse na ocasião. Com algum distanciamento histórico é possível até dizer que, embora sem Lula na disputa, a fala de Ciro foi premonitória.
Exatamente um ano depois, Lula foi preso. E Ciro não demorou em se posicionar contra, engrossando o coro de quem considera a prisão do ex-presidente injusta.
Ainda com a perspectiva de ser apoiado por Lula, Ciro iniciou a pré-campanha com um discurso mais à esquerda, prometendo revogar a reforma trabalhista e recomprar áreas do pré-sal. A hipótese de uma dobradinha com o próprio PT chegou a animar - ele considerou a chapa Ciro-Haddad uma espécie de "dream team". Mas, da cadeia, Lula vetou os acenos petistas a Ciro. E fez mais do que isso: começou a articular o isolamento da candidatura dele.
Dificuldades
Sem o PT, Ciro fez dois movimentos: aproximou-se do Centrão (PP, DEM, PRB, PR e Solidariedade) e do PSB. Às vésperas da convenção nacional do PDT, no entanto, o Centrão fechou com Geraldo Alckmin (PSDB). E uma costura entre as cúpulas do PT e do PSB, também orquestrada por Lula, consolidou a posição de "neutralidade" dos pessebistas, o que asfixiou a campanha de Ciro.
As dificuldades acentuaram uma característica conhecida do candidato: o temperamento explosivo. Só nesta campanha, ele declarou que colocaria o Judiciário de volta "na caixinha", chamou o vereador Fernando Holiday (DEM) de "capitão do mato" e xingou de "fdp" uma procuradora que propôs uma ação contra ele.
As circunstâncias eleitorais, no entanto, reposicionaram Ciro na disputa - o colocando no "toco da terceira via". Com a consolidação de um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Haddad e, principalmente, com as pesquisas mostrando que Ciro vence Bolsonaro no segundo turno, ele encontrou um novo papel, uma nova voz.
Se as urnas confirmarem as pesquisas, Ciro será dono do capital eleitoral mais relevante no segundo turno. E embora tenha dito não ser mais "permitido a ele andar com o PT", a tendência é de que declare apoio a Haddad. Aos 60 anos, ele já disse que essa será sua última candidatura à Presidência - o que não significa que estaria fora do jogo político ou de um eventual ministério petista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..