Quando ficou internada, no ano passado, Marina Silva (Rede) fez um colar com sementes de jarina, bonina, murmuru e tiririca, especialmente para esta eleição. "Esse colar me ajudou a suportar a dor e agora está me dando a alegria de me deixar mais bonita para enfrentar mais uma campanha", disse nas redes sociais, pouco antes de começar a corrida eleitoral. Quando gravou o vídeo, não sabia que enfrentaria esta disputa longe das posições em que esteve em 2010 e 2014.
Onze dias
Foi o tempo em que a candidata da Rede se manteve na vice-liderança da disputa pelo Planalto. O cenário em parte lembra o da eleição anterior, quando perdeu a vaga no segundo turno para Aécio Neves (PSDB). Agora, no entanto, a desidratação foi mais rápida, mais prematura e, pior, atingiu seu próprio partido. Marina corre o risco de acabar a disputa com menos da metade dos votos que alcançou nas eleições anteriores - cerca de 20 milhões.
O colar a acompanhou em quase todas as agendas em sua terceira tentativa de chegar à Presidência. Desfilou com o adereço no ponto alto da campanha, quando protagonizou um embate com Jair Bolsonaro (PSL), na defesa por salários iguais entre gêneros.
A candidata tentou capitalizar aqueles que representam parte da sua história - mãe, negra, de origem humilde, ex-empregada doméstica e alfabetizada aos 16 anos - e foram o seu principal eleitorado quando tinha 12% de intenção de votos, seu maior patamar nesta corrida.
Mas foi só o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser substituído por Fernando Haddad na cabeça de chapa petista, que Marina começou a desidratar. Pelo menos, é esta a leitura de seus auxiliares. Ela também perdeu espaço como terceira via. "Antes, eram sempre três candidatos: dois polarizando e a Marina sendo a terceira via.
Além disso, a candidata parece não mais mobilizar multidões. Segundo um porta-voz, o País está indicando que quer candidatos polarizados e Marina não radicaliza o seu discurso. "Não vale tudo para ganhar a eleição", repetiu ela nos últimos meses. Além disso, a presidenciável perdeu um importante eleitorado que tinha em 2014: os evangélicos. Neste ano, as maiores igrejas fecharam com Bolsonaro.
Programa
A ex-ministra do Meio Ambiente da gestão Lula apresentou um programa mais progressista neste ano, com atenção a minorias e direitos individuais, mas mantendo posicionamento econômico liberal. A polêmica que enfrentou ao tirar a defesa do casamento gay de seu programa de governo em 2014 desta vez foi resolvida: disse que o direito deve ser protegido por lei.
Na campanha havia quem defendesse desde o princípio que a candidata apostasse nos órfãos do "lulismo" e evitasse críticas mais duras ao ex-presidente. A ex-senadora adotou a estratégia de insistir na sua história humilde e no discurso de mãe e mulher, mas ao mesmo tempo fez duras críticas a Lula, a quem chegou a chamar de "corrupto", e fez ainda uma enfática defesa da Lava Jato.
Nas últimas semanas, à medida que o cenário de polarização foi ficando mais claro, Marina tentou se posicionar mais e mais como uma terceira via. "Não se pode querer governar um País na base do ódio e muito menos com base na mentira e na corrupção", disse ela na sexta-feira, no Rio.
Discurso
Em 2010 e 2014, os adversários da candidata exploraram seu histórico de saúde - que inclui cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e uma contaminação por mercúrio - para colar nela a imagem de frágil. Marina atribuiu isso a uma "desqualificação das mulheres" e, neste ano, conseguiu se livrar dessa pecha.
Seu discurso também ficou mais claro e incisivo em 2018 e é o resultado de um treinamento intensivo para abandonar o chamado "marinês" - como ficou conhecido seu vocabulário por vezes "rocambolesco".
Mais difícil, no entanto, foi se desvencilhar da falta de estrutura de seu partido, dos 21 segundos de televisão e driblar os poucos recursos disponíveis. No domingo, vão às urnas não só Marina, mas todo o projeto político que ela construiu nos últimos anos.
Para a coordenadora da campanha, Andrea Gouvea, "independentemente do resultado, aliados estão convictos de que Marina consolidou a imagem de uma política de extrema força moral".
Durante a campanha, a presidenciável usou a metáfora de uma "frestinha" para ilustrar o cenário de dificuldades - da vida e da corrida eleitoral. Lembra que passou por um "fresta" no Mobral, se alfabetizou e se tornou professora. Apesar de se dizer "especialista em passar por frestas", a de 2018 talvez seja a mais difícil para Marina. As informações são do jornal O Estado de S.