Quando ficou internada, no ano passado, Marina Silva (Rede) fez um colar com sementes de jarina, bonina, murmuru e tiririca, especialmente para esta eleição. "Esse colar me ajudou a suportar a dor e agora está me dando a alegria de me deixar mais bonita para enfrentar mais uma campanha", disse nas redes sociais, pouco antes de começar a corrida eleitoral. Quando gravou o vídeo, não sabia que enfrentaria esta disputa longe das posições em que esteve em 2010 e 2014.
Onze dias
Foi o tempo em que a candidata da Rede se manteve na vice-liderança da disputa pelo Planalto. O cenário em parte lembra o da eleição anterior, quando perdeu a vaga no segundo turno para Aécio Neves (PSDB). Agora, no entanto, a desidratação foi mais rápida, mais prematura e, pior, atingiu seu próprio partido. Marina corre o risco de acabar a disputa com menos da metade dos votos que alcançou nas eleições anteriores - cerca de 20 milhões.
O colar a acompanhou em quase todas as agendas em sua terceira tentativa de chegar à Presidência. Desfilou com o adereço no ponto alto da campanha, quando protagonizou um embate com Jair Bolsonaro (PSL), na defesa por salários iguais entre gêneros. Foi aplaudida. Naquele dia, Marina conseguiu emplacar uma das suas principais bandeiras em 2018: a defesa das mulheres.
A candidata tentou capitalizar aqueles que representam parte da sua história - mãe, negra, de origem humilde, ex-empregada doméstica e alfabetizada aos 16 anos - e foram o seu principal eleitorado quando tinha 12% de intenção de votos, seu maior patamar nesta corrida.
Mas foi só o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser substituído por Fernando Haddad na cabeça de chapa petista, que Marina começou a desidratar. Pelo menos, é esta a leitura de seus auxiliares. Ela também perdeu espaço como terceira via. "Antes, eram sempre três candidatos: dois polarizando e a Marina sendo a terceira via. Agora está muito dividido o centro", afirma o coordenador de programa e amigo de Marina João Paulo Capobianco.
Além disso, a candidata parece não mais mobilizar multidões. Segundo um porta-voz, o País está indicando que quer candidatos polarizados e Marina não radicaliza o seu discurso. "Não vale tudo para ganhar a eleição", repetiu ela nos últimos meses. Além disso, a presidenciável perdeu um importante eleitorado que tinha em 2014: os evangélicos. Neste ano, as maiores igrejas fecharam com Bolsonaro.
Programa
A ex-ministra do Meio Ambiente da gestão Lula apresentou um programa mais progressista neste ano, com atenção a minorias e direitos individuais, mas mantendo posicionamento econômico liberal. A polêmica que enfrentou ao tirar a defesa do casamento gay de seu programa de governo em 2014 desta vez foi resolvida: disse que o direito deve ser protegido por lei.
Na campanha havia quem defendesse desde o princípio que a candidata apostasse nos órfãos do "lulismo" e evitasse críticas mais duras ao ex-presidente. A ex-senadora adotou a estratégia de insistir na sua história humilde e no discurso de mãe e mulher, mas ao mesmo tempo fez duras críticas a Lula, a quem chegou a chamar de "corrupto", e fez ainda uma enfática defesa da Lava Jato.
Nas últimas semanas, à medida que o cenário de polarização foi ficando mais claro, Marina tentou se posicionar mais e mais como uma terceira via. "Não se pode querer governar um País na base do ódio e muito menos com base na mentira e na corrupção", disse ela na sexta-feira, no Rio.
Discurso
Em 2010 e 2014, os adversários da candidata exploraram seu histórico de saúde - que inclui cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e uma contaminação por mercúrio - para colar nela a imagem de frágil. Marina atribuiu isso a uma "desqualificação das mulheres" e, neste ano, conseguiu se livrar dessa pecha.
Seu discurso também ficou mais claro e incisivo em 2018 e é o resultado de um treinamento intensivo para abandonar o chamado "marinês" - como ficou conhecido seu vocabulário por vezes "rocambolesco".
Mais difícil, no entanto, foi se desvencilhar da falta de estrutura de seu partido, dos 21 segundos de televisão e driblar os poucos recursos disponíveis. No domingo, vão às urnas não só Marina, mas todo o projeto político que ela construiu nos últimos anos.
Para a coordenadora da campanha, Andrea Gouvea, "independentemente do resultado, aliados estão convictos de que Marina consolidou a imagem de uma política de extrema força moral".
Durante a campanha, a presidenciável usou a metáfora de uma "frestinha" para ilustrar o cenário de dificuldades - da vida e da corrida eleitoral. Lembra que passou por um "fresta" no Mobral, se alfabetizou e se tornou professora. Apesar de se dizer "especialista em passar por frestas", a de 2018 talvez seja a mais difícil para Marina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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