O ex-baixista do Pink Floyd, Roger Waters, um dos mentores, criadores e principais compositores da banda inglesa, sobe ao palco, no Allianz Parque, em São Paulo, para seu primeiro show da turnê Us %2b Them no Brasil. De repente, no meio da apresentação, logo após o ‘hino’ Another Brick in the Wall - part 2 (que, aliás, termina com um coral de crianças com a camisa resist, resista em português), surgem no telão várias mensagens.
Em todas elas, o cantor pede que os fãs ‘resistam’, à tortura, ao anti-semitismo, e ao neofacismo. Neste momento, aparecem nomes de vários governantes, de vários países, e no Brasil, o nome de Jair Bolsonaro (PSL), candidato a presidente, é incluído. Como esperado, o público se dividiu, entre gritos de ‘Ele não’ e ‘fora PT’.
Muitos se assustaram com o posicionamento de Roger Waters, concordando ou discordando. Alguns se arrependeram de estar ali, outros aplaudiram ainda mais. Mas só quem não conhece absolutamente nada da obra do Pink Floyd, ou de Roger Waters, se surpreendeu.
O posicionamento político e ideológico sempre esteve presente na obra de Waters. Antes de ele nascer, no Reino Unido, seu avô, George Henry Waters, foi morto na Primeira Guerra Mundial, ainda em 1916. Na ocasião, seu pai, Eric Fletcher Waters tinha cinco anos. E o drama se repetiria, alguns anos depois, quando o pai do cantor, Eric, em 1944, também foi morto, mas na Segunda Guerra Mundial, na Batalha de Anzio, na Itália. Roger era um bebê de cinco meses.
O baixista, então, foi criado neste ambiente. E isto se reflete em toda sua obra, desde os discos do Pink Floyd até em seus trabalhos solos. “O Roger Waters, nunca, em tempo algum, durante toda sua carreira, deixou de se posicionar sociológica e politicamente. Tudo começou com as perdas do avô e do pai dele. Sua cabeça foi formada em torno de um pai assassinado pelo nazismo. As convicções sociais dele partiram desse ponto.
E, no momento atual do Brasil, talvez as manifestações de Waters, presentes em todas as apresentações do cantor, tenham gerado mais manifestações. “Estamos pasando por uma fase com um nível de intolerância de divergências políticas. As pessoas criticam conforme lhes convêm. Ele (Waters) é o grande defensor das liberdades indivuais e, portanto, tem um posicionamento político que neste momento vai de encontro a algumas situações que um dos candidatos já se manifestou...”, disse, esclarecendo: “O discurso dele não é partidário. Ele está fazendo um discurso contrário a algo que é antidemocrático. Isso é um ponto fundamental. O fato de ele ser muito incisivo é a tônica da obra dele, desde o início.”
Ou seja, quem foi ao show do cantor e se arrependeu, por conta das manifestações, já deveria ter ido sabendo o que veria. “Se a pessoa falar que não vai mais ao show, ele não deveria ter ido antes. O Roger Waters está cansado de ser criticado e vaiado por isso. Talvez as pessoas tenham ouvido a música e não entendido o que fala a obra dele. Mas seria de se estranhar se ele não se posicionasse com relação a esses fatos. E ele tem cancha, tem base ideológica para sustentar seu posicionamento, que não é partidário, é sociológico”, frisou.
Com certeza a ópera rock The Wall (1979) é o trabalho mais conhecido da banda. Os créditos do disco são praticamente todos atribuídos a Roger Waters. Ele chegou com o trabalho pronto e apresentou à banda. Na obra, Waters usa o personagem Pink, fazendo uma analogia à situação social da época. Na música ‘Another brick in the wall – part 2’, por exemplo, uma das mais tocadas nas rádios do Brasil no início dos anos 80, é clara a referência à disciplina rígida e arcaica que os professores aplicavam aos alunos ingleses. “Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz! / Tudo era apenas um tijolo no muro / Todos são somente tijolos na parede”, brada a letra.
O disco se tornou filme, em 1982, dirigido por Alan Parker e que tem o músico e ator Bob Geldof, da banda punk The Boomtown Rats, como Pink. A película mostra, claramente, vários aspectos da vida de Waters, inclusive quando o personagem principal se vê como um ditador neonazista.
Mas engana-se quem pensa que o posicionamento social do Pink Floyd, ou melhor, mais especificamente de Roger Waters, só está presente em The Wall. “O Animals (1977), que não é um disco muito conhecido, mas que serve muito como base dessa turnê, é um dos discos mais politizados da banda. Esse disco é baseado no livro a Revolução dos Bichos (de George Orwell, 1945)”, lembrou Marcelo Canaan, frisando que este engajamento, inclusive, foi um dos causadores da ruptura do Pink Floyd. “A obra dele só se tornou o que se tornou por conta do que ele é, do que ele viveu. O (David) Gilmour (guitarrista e vocalista do Floyd) é um cara muito mais alheio a esse tipo de coisa. O Pink Floyd funcionou muito bem porque o Gilmour é a parte melódica, a beleza musical, a harmonia musical. E isso somado à força da letra, da obra conceitual do Waters, deu certo. Basta ver hoje, no discos solos dos dois. A musicalidade não é um forte do trabalho do Roger Waters. O Gilmour, pelo contrário, tem solos lindos de guitarra, e ele é isso, ele é avesso a este tipo de manifestação. E isso trouxe um ambiente de muita instabiliade na banda”, explicou.
“O que o Roger Waters está fazendo alí é a defesa de um mínimo risco, que eu concordo com ele que existe, de as liberdades democráticas individuais eventualmente virem a ser desrespeitadas.
Canaan ainda fez um último pedido. “A única coisa que eu peço e espero é que as pessoas não estreguem um momento tão especial, na nossa casa, no Mineirão. Discordar ou não faz parte da vida em sociedade. A vida é equilibrada porque existem dois lados. Este momento é esperado por nós desde 1967 (quando o Pink Floyd começou). Esse políticos não merecem tanta força”, disse.
Em seus shows, Waters ainda protesta contra Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, chamando o político ‘porco, racista, machista, ignorante, e mentiroso’. Normalmente, na música ‘Pigs (Three Different Ones)’, ele apresenta imagens de Trump segurando um vibrador como se fosse um rifle, com uma capa branca da Ku Klux Klan, movimentos norte-americanos que defendem correntes reacionárias e extremistas.
Outros governantes que aparecem como ‘neofacistas’, no telão de Waters, são Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, Marine Le Pen, política de extrema-direita da França, Sebastian Kurz, chanceler da Áustria, do partido democrata-cristão–conservador, Nigel Farage, um dos líderes mais influentes do Partido de Independência do Reino Unido, de orientação conservadora, Lech Kaczynski, ex-presidente da Polônia, e Vladimir Putin, presidente da Rússia.
Próximos shows:
São Paulo
Quarta-feira (10)
Allianz Parque
Brasília
Sábado (13)
Estádio Mané Garrincha
Salvador
Quarta-feira (17)
Arena Fonte Nova
Belo Horizonte
Domingo (21)
Mineirão (Av. Abrahão Caran, 1001 - São José)
Ingressos: R$ 150 a R$ 720
Rio
Quarta-feira (24)
Maracanã
Curitiba
Sábado (27)
Onde: Estádio Couto Pereira
Porto Alegre
Terca (30)
Estádio Beira-Rio
Setlist do show em São Paulo
Breathe (Pink Floyd)
One of These Days (Pink Floyd)
Time (Pink Floyd)
Breathe (Reprise) (Pink Floyd)
The Great Gig in the Sky (Pink Floyd)
Welcome to the Machine (Pink Floyd)
Déjà Vu
The Last Refugee
Picture That
Wish You Were Here (Pink Floyd)
The Happiest Days of Our Lives (Pink Floyd)
Another Brick in the Wall Part 2 (Pink Floyd)
Another Brick in the Wall Part 3 (Pink Floyd)
Set 2:
14. Dogs (Pink Floyd)
15. Pigs (Three Different Ones) (Pink Floyd)
16. Money (Pink Floyd)
17. Us and Them (Pink Floyd)
18. Smell the Roses
19. Brain Damage (Pink Floyd)
20. Eclipse (Pink Floyd)
Bis:
21. Mother (Pink Floyd)
22. Comfortably Numb (Pink Floyd)