O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não conseguiu segurar a onda de notícias falsas nas eleições deste ano. A avaliação interna dos ministros da Corte é que a guerra contra as fake news foi perdida. Esse cenário ficou evidente com a quantidade de notícias inverídicas que circularam no último dia 7, quando 117 milhões de brasileiros foram às urnas no primeio turno de votação. Uma videoconferência realizada ontem com representantes do WhatsApp revelou que a situação é ainda mais séria, pois os dirigentes do aplicativo disseram que não é possível controlar as mensagens que circulam entre os usuários.
A boataria que se espalha na rede atingiu até a presidente do Tribunal, ministra Rosa Weber. Em uma mensagem enviada à Corte por meio de uma rede social, um internauta afirma que o candidato “Jair Bolsonaro já está eleito” e que haverá reações se isso não se confirmar no resultado da apuração. “Espero que a senhora fique de olho. E só um aviso, com todo respeito”, diz um trecho da mensagem. A Polícia Federal vai abrir inquérito para investigar o caso.
Essa é a primeira vez que a ministra Rosa Weber é citada diretamente em uma mensagem intimidatória enviada ao TSE. Inicialmente, a PF vai avaliar se o perfil do internauta que mandou o texto descreve um cidadão real ou se as informações foram inventadas para confundir as autoridades. Notícias falsas relacionadas a uma suposta paralisação dos caminhoneiros em reação ao resultado da votação tem se espalhando com intensidades nas redes sociais. Os casos revelam o fracasso da Corte e das autoridades em combater as chamadas fake news, que se espalham com mais força durante o período eleitoral.
O aplicativo WhatsApp é o preferido de quem cria ou repassa informações inverídicas relacionadas à política. Ontem, após a videoconferência entre integrantes do Conselho Consultivo do TSE e representantes da empresa, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Medeiros, falou da impossibilidade de combater, principalmente, as informações compartilhadas pelo aplicativo. “Eles se propuseram a oferecer para o TSE algumas ferramentas que não estão disponíveis ao usuário. Mas disseram que o sigilo das mensagens compartilhadas entre os usuários é tão sagrado que nem mesmo eles têm acesso. A própria configuração do WhatsApp torna difícil implantar outras ferramentas usadas em outras redes sociais, como a checagem dos fatos”, disse.
Professor e pesquisador em comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina, Nilson Lage diz que o fenômeno das fake news tem afetado todos os países. Aconteceu na eleição americana, que elegeu Donald Trump, e na votação do Brexit, que levou a Inglaterra a deixar a União Europeia. No Brasil, houve a criação e o fortalecimento da chamada indústria da falsificação da informação. “Tornou-se mesmo uma indústria, importada dos EUA, e que gera muito dinheiro”, explica.
Lage, no entanto, acredita que o Judiciário brasileiro tem sido omisso no combate às notícias falsas. Para ele, quando interfere, o TSE atua no sentido de retirar conteúdo de todos os lados para se mostrar imparcial. “O TSE havia anunciado uma campanha contra as fake news, mas não fez nada. Tem se mantido omisso. A interferência dele, quando ocorre, é pontual”, critica o estudioso.
Para o professor, há uma cumplicidade em lidar com as notícias falsas de toda a sociedade. Assim, parece que o Estado não sabe como lidar com a situação. “Isso é algo que sempre existiu, mas que atinge agora uma dimensão inimaginável, pelos mecanismos que temos hoje”.