Foi a eleição das ausências. Os dois políticos mais populares do país ficaram isolados. Lula, preso por corrupção em Curitiba, declarado inelegível. Bolsonaro, recolhido depois de ser esfaqueado, soube transformar a adversidade em triunfo. Reforçou sua presença no ambiente onde circula com desenvoltura desde 2014: as redes sociais.
A sucessão presidencial de 2018 foi marcada também por uma terceira ausência: a de debates. Não apenas de confrontos presenciais (desde 1989 não havia uma eleição presidencial sem que os dois candidatos mais votados tenham se encontrado ao menos uma vez), mas da discussão aprofundada de propostas.
As reformas que o país precisa fazer para não quebrar, a começar pela da Previdência, foram escanteadas. E as referências internacionais mencionadas na campanha não foram a países que conseguiram reduzir a desigualdade social e garantir o bem-estar da população, mas às nações arrasadas por seus governantes, a começar pela onipresente Venezuela. O Brasil olhou muito mais para o passado, recente e pós-1964, do que para o futuro.
Com os principais nomes dos maiores partidos brasileiros enlameados pelas investigações, condenações e prisões da Lava-Jato, a bandeira do combate à corrupção ficou à solta, pronta para ser desfraldada por uma candidatura de fora do núcleo político que deteve o poder nas últimas décadas. Veio, então, um parlamentar do chamado “baixo clero” e apanhou essa bandeira. Literalmente.
O deputado carioca transformou a bandeira brasileira e a camisa amarela em símbolos de campanha. Dolema inscrito no pavilhão nacional, privilegiou a ordem (com ênfase na segurança pública, questão relegada a segundo plano pelo PT) e deixou o progresso por conta do economista Paulo “Posto Ipiranga” Guedes.
Bolsonaro também soube se apresentar como defensor intransigente da tradição, da família, da propriedade privada. Fez o discurso que a maior parte do país quis ouvir – e não foi preciso abrandar as palavras para se eleger. Na reta final do segundo turno, o candidato do PSL continuou a se manifestar com a veemência que marca a sua trajetória política.
Voltou com os rompantes totalitários, como fez sete dias antes da eleição, ao prometer “uma faxina muito mais ampla” dos “marginais vermelhos”, que serão “banidos de nossa pátria”; tal modalidade de faxina não está prevista na Constituição em vigência no país. Constituição que foi exibida e citada pelo candidato em seu primeiro discurso depois de confirmada a vitória, ao garantir um governo “decente” e que será um defensor também da democracia e da liberdade (a palavra mais repetida no pronunciamento).
Pouco antes de ser levado para cumprir pena em Curitiba, Lula disse que não era mais Lula, mas uma “ideia”. Uma facada fez com que Bolsonaro tivesse de se recolher, ampliando a imagem do “mito”, controlada pelas redes sociais. Acontece que idealizações e mitificações não costumam fazer diferença na hora de encarar e resolver problemas de um país mergulhado em uma crise tão profunda como o Brasil.
O desafio do capitão reformado à frente do Palácio do Planalto é imenso e complexo. E, pela inexperiência administrativa, começa na definição de sua equipe e no desenho da articulação com o Congresso. Ainda mais quando o próprio candidato, já na condição de presidente eleito, garante que, além de “desamarrar o Brasil”, seu governo também vai “quebrar paradigmas”.
As urnas decretaram o resultado do confronto antipetismo contra o lulismo. O PT, vencedor das quatro últimas eleições presidenciais, está fora do posto mais alto do Poder Executivo. Agora é a vez do bolsonarismo.
Que o novo presidente tenha em mente que a bandeira nacional, como dizem os primeiros versos de seu hino, não é apenas o pendão da esperança. Representa o símbolo augusto da paz.