As declarações controversas do deputado Jair Bolsonaro aos poucos se transformaram de piadas compartilhadas nas redes sociais em ideias defendidas por milhões de apoiadores. Em momento de grave crise política que o país atravessa, o capitão reformado do Exército se tornou porta-voz das insatisfações de grande parte da população.
O principal obstáculo será amenizar um país que vem de uma forte polarização e cumprir algumas propostas que são consideradas populistas. “No palanque, ou melhor, nos vídeos de celular, ele prometeu o 13º salário do Bolsa-Família e aumentar o benefício.
Como vai conjugar a redução de gastos com essas promessas?”, questiona Gaudêncio Torquato, especialista em marketing. Para o cientista político da UFMG Fábio Wanderley, os ataques aos adversários ao longo de sua trajetória política, apostando no sentimento de raiva dos brasileiros com a classe política em geral, foram decisivos para sua eleição.
Eleitores cansados
Gaudêncio Torquato
Especialista em marketing político
Durante a campanha, Bolsonaro e sua equipe fizeram várias ações que deixam claro que ele não tem a intenção de unificar o país. Seu filho falou em fechar o Supremo, e ele falou sobre expurgar adversários políticos. Essas falas encontraram apoio de seus eleitores, a maioria cansados de políticos tradicionais. São falas preocupantes, mas Bolsonaro apostou nesse tipo de declaração ao longo de sua carreira política. A população brasileira continuará dividida a partir de 2019. E isso trará dificuldades ao governo de Bolsonaro. Seu maior desafio será conjugar uma política dura de contenção de gastos com o discurso populista de campanha. No palanque, ou melhor, nos vídeos de celular, ele prometeu o 13º salário do Bolsa Família e aumentar o benefício em falas para os eleitores do Nordeste. Como combinará a redução de gastos com essas promessas? Outra dúvida: até onde irão as privatizações? Como militar, ele defende o nacionalismo e um Estado forte e intervencionista. Mas seu guru econômico, Paulo Guedes, é liberal e quer privatizar as estatais. Até onde poderá ir? Eletrobras? Petrobras? Bolsonaro também garante que reduzirá os ministérios, mas terá que enfrentar a realpolitik, em que os partidos querem abocanhar espaço em troca da governabilidade. Ele promete que não fará uma gestão compartilhada. Como será sua relação com o Congresso? Ou seja, pairam muitas dúvidas sobre nosso futuro. Aposto que será uma política andando sobre o fio da navalha, agradando a gregos e troianos.
Múltiplos fatores
josé Murilo de carvalho
historiador e membro da academia brasileira de letras
Uma série complexa de fatores explica a vitória de Jair Bolsonaro. Os protestos embutidos nas manifestações de 2013, a crise econômica, a Lava-Jato, o desgaste dos 14 anos de governo do PT, a descrença em relação aos políticos e à política, a violência, a legislação que atingiu valores tradicionais relativos à família e à definição de gênero. As manifestações de 2013 foram o primeiro sintoma de que havia algo errado em nosso sistema representativo: havia novos interesses que não estavam sendo representados pelos políticos e necessidades que não estavam sendo atendidas. As manifestações foram logo esquecidas, sem que nada se fizesse. A insatisfação foi crescendo em silêncio. O eleito foi legitimado pela maioria dos eleitores. Mas podem-se esperar de seu governo desafios a valores e práticas característicos da democracia. Se o eleito mantiver as posições radicais, expressas em linguajar grosseiro, contra certos grupos e práticas sociais e hostilizar ou ignorar as instituições que sustentam nossa democracia, poderá ter mandato curto, como tiveram Jânio Quadros e Collor de Mello. São os três (Jânio, Collor e Bolsonaro) um tipo de aventureiros oportunistas que se aproveitam de situações de crise para aparecer como salvadores. A corrupção foi ingrediente nos três casos. Jânio tinha como símbolo uma vassoura, Collor atacava os marajás, Bolsonaro tem como referência a Lava-Jato. A tarefa da oposição será fazer com que o eleito se mantenha dentro desses limites.
Ataques encampados
Fábio Wanderley reis
cientista político e professor emérito da ufmg
Para explicar a chegada de Bolsonaro ao poder temos que entender o momento de radicalização na política brasileira e de crescimento do extremismo na sociedade de forma geral. Como candidato, ele manteve um clima de ataques e ofensas que muitos encamparam. Acredito que o governo de Bolsonaro manterá esse clima de agressividade e trará enorme incerteza ao cenário político a partir de 2019. Ao longo da campanha, ele apostou em um tom de ódio para tratar adversários políticos. O clima de ódio pode se intensificar, mas o quadro está imprevisível no momento. Algumas propostas retrógradas que ele sempre defendeu, como ataques ao movimento LGBT, podem representar grave problema no país, mas, ao longo dos anos, foram ganhando mais adeptos entre grupos conservadores. Ao rotular como comunistas todos que defendem propostas progressistas, ele se mostra inconsistente no entendimento da sociedade brasileira – isso também preocupa. Ele não se posicionou de forma clara sobre as questões econômicas na campanha, o que demonstra certa inconsistência, já que não domina as propostas para a economia. No cenário das relações com o Congresso, mais uma incerteza, uma vez que ele será obrigado a negociar apoio com os partidos, mesmo dizendo que não faria isso. A alternativa a essa negociação seria uma ação truculenta diante dos outros poderes. Em 2019, o PT se manterá como o quadro mais consolidado de oposição a Bolsonaro e agora com um líder mais conhecido, que é Fernando Haddad.