Jornal Estado de Minas

Ex-efetivados da Lei 100 cobram R$ 726 milhões do governo de MG


Em meio a uma dívida bilionária com a União, atraso no pagamento de servidores e um débito de R$ 9,4 bilhões com os municípios, o governador eleito Romeu Zema (Novo) ainda terá pela frente uma conta de pelo menos R$ 726 milhões para quitar. Esse é o valor que o poder público estadual poderá ser obrigado a arcar para 101.484 servidores efetivados pela Lei Complementar 100 – declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).


Dezenas de ações cobrando o benefício exclusivo da iniciativa privada tramitam no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que no início deste mês resolveu suspendê-las até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se pronuncie sobre o assunto.

Contratados sem concurso público pelo Executivo e efetivados pela LC 100, os servidores tiveram que deixar o estado porque os ministros do STF declararam a legislação inconstitucional ao julgar uma ação em 2014. Na ocasião, foi concedido um prazo para que o governo mineiro exonerasse os funcionários – com exceção daqueles que tivessem passado em concurso posterior ou que já pudessem se aposentar.

A maioria dessas pessoas era do setor de educação. Exonerados sem direito a qualquer benefício, muitos funcionários recorreram à Justiça em busca do FGTS.

Já há decisões contra e favoráveis ao pagamento do FGTS – todas ainda alvos de recurso por parte do estado ou do ex-servidor. Para tentar sanar a controvérsia judicial, o vice-presidente do TJ mineiro, desembargador José Afrânio Vilela, admitiu três recursos especiais ajuizados por ex-servidores e decidiu incluí-los no Grupo de Representativos de Controvérsia (GR), voltado para a uniformização de uma questão jurídica.


De acordo com a assessoria do TJ mineiro, já foi determinado o envio desses recursos ao STJ para que os ministros se pronunciem sobre o assunto. O que o STJ opinar, será aplicado em todos os processos. Ainda não há prazo para esse julgamento.

O argumento de quem tenta receber o FGTS é que o próprio STJ já reconheceu o direito ao benefício para funcionários que tenham sido contratados pelo poder público de forma ilegal. Assim, já que a Lei 100 foi considerada inconstitucional, o contrato seria ilegal. Mas não é tão simples assim.

O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUte), por exemplo, foi derrotado na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, que julgou improcedente ação que pedia o depósito durante o período de vigência da lei, entre 2007 e 2015. O Sind-UTe já recorreu ao STF contra a decisão da Justiça mineira.


Além das ações judiciais, o governo mineiro ainda enfrenta uma notificação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG) – braço do Ministério do Trabalho e Previdência Social –, para pagar o FGTS. Os auditores-fiscais cobram do Executivo R$ 726.398.890,57 – valor sem correção – pelo período de novembro de 2007 a setembro de 2015. Foram apresentadas 38 notificações à AGE, o equivalente a mais de 133 mil páginas eletrônicas.

‘Discussão tenebrosa’ O Ministério do Trabalho se baseou na Lei 8.036/90, que trata do FGTS. O artigo 19 da legislação diz que “é devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato e trabalho seja declarado nulo”. Entre as hipóteses previstas está a não realização de concurso para ingresso em cargo público. A Advocacia-Geral do Estado (AGE) já recorreu das autuações no STJ, e na defesa, alega que a efetivação dos designados foi feita durante a vigência de uma lei.

“Essa é uma discussão tenebrosa, que envolve um contrato temporário. A decisão do STJ (sobre o pagamento do FGTS) só vale para um contrato irregular. Tanto que temos várias autuações e estamos ganhando a maior parte. Estão misturando as bolas e a Receita não perde a chance de dar uma alfinetada no estado de Minas”, reclamou o advogado-geral do estado, Onofre Batista.


De acordo com ele, a legalidade dos contratos é comprovada pelo STF na medida em que os ministros permitiram a contagem de tempo para aposentadoria daqueles que completaram os requisitos durante a prestação de serviço ao estado.

 

memória

98 mil com direitos de concursados

A Lei Complementar 100 foi proposta pelo então governador Aécio Neves (PSDB) e aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais em novembro de 2007. Na ocasião, cerca de 98 mil designados – 97% deles lotados em escolas e universidades em funções de professores, vigilantes e faxineiros – foram efetivados e conquistaram os mesmos direitos daqueles que prestaram concurso público.

Com a polêmica medida, o estado de Minas Gerais garantiu um acerto de contas com o Ministério da Previdência Social estimado em R$ 10 bilhões, o que lhe valeu o certificado de regularização previdenciária (CRP) necessário à obtenção de novos financiamentos internacionais.


A legislação foi oficialmente questionada na Justiça pela Procuradoria-Geral da República (PGR) cinco anos depois da entrada em vigor, em novembro de 2012. Em abril de 2014, a ação direta de inconstitucionalidade (adin) chegou ao plenário do STF e os ministros consideraram a Lei 100 inconstitucional.

Na decisão, os ministros ainda concederam um prazo de 12 meses para o estado fizesse concurso público para preencher as vagas – período que se esgotou em 1º de abril de 2015. A pedido do governo Fernando Pimentel (PT), o STF autorizou o adiamento das demissões dos não-concursados para 31 de dezembro de 2015. Ao longo daquele ano foram nomeados 15 mil servidores aprovados em concurso público e a expectativa do governo é atingir 60 mil nomeações até o fim deste ano. Do total, 15 mil pessoas já teriam completado os requisitos para aposentadoria.