Brasília – Pelo segundo ano consecutivo, o Poder Judiciário deve estourar o teto de gasto definido pela Emenda Constitucional nº 95/2016. E, para piorar, em 2019, por conta do reajuste de 16,55% aprovado pelo Congresso Nacional, deve também gastar acima da margem compensatória prevista na lei e que é coberta pela União. Com isso, a partir de 2020 – se não houver mudança nessa regra que resgatou uma parte da confiança do mercado no governo Michel Temer –, o Judiciário vai ser obrigado a aplicar os gatilhos previstos na emenda do teto, quando ele é descumprido pelo órgão a partir do ano seguinte: congelamento de salários, proibição de contratação e de realização de concursos, e, provavelmente, corte de pessoal.
A regra do teto passou a vigorar em 2017, e, de acordo com a norma, o Executivo é obrigado a cobrir o estouro do teto dos demais poderes durante os três primeiros anos de vigência, mas há um limite para isso: de 0,25% das despesas previstas do Executivo, algo em torno de R$ 3,3 bilhões.
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Campanha já supera 2 milhões de assinaturas contra aumento de salário do STFApós aprovação de reajuste ao STF, Toffoli evita imprensa em eventos em SPReajuste de 16,38% repõe perdas com inflação, dizem ministros do STF“O governo vai estourar o teto de gastos em 2019, pelas nossas previsões, pois não há mais espaço para aumento de despesas com pessoal ou de gastos extraordinários, como está sendo sinalizado com esse reajuste do Judiciário e os que devem vir a reboque, como parlamentares, militares e demais servidores”, avisa Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria.
“Boa parte das despesas terão de ser reduzidas para acomodar esse novo reajuste do Judiciário, que pode ter um impacto maior do que se imagina”, aposta. Lavieri lembra que só o crescimento vegetativo das despesas com a Previdência, de R$ 43 bilhões em 2019, consome a maior parte do aumento do limite geral do teto de gastos, de R$ 60 bilhões. “Por isso, o teto, dificilmente, será cumprido de forma geral”, alerta.
Conforme o Ploa de 2019, a correção do teto de gastos de 4,39%, respeitando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi ampliada em R$ 60 bilhões, para R$ 1,407 trilhão, o que não refresca em nada o quadro, segundo analistas.
No limite
As despesas do Executivo estão limitadas em R$ 1,346 trilhão, mas haverá um desconto de R$ 3,362 bilhões para a compensação dos demais poderes, que já está totalmente comprometida e sem o reajuste do Judiciário. Pelo orçamento, o Judiciário deve consumir a maior parte dessa margem: R$ 2,939 bilhões, ou seja, 87,4%, desse montante. A margem de compensação prevista para o Legislativo é de R$ 258,9 milhões (7,7%). Os 4,9% restantes ficaram distribuídos entre Ministério Público da União (MPU), R$ 128,7 milhões, e Defensoria Pública da União (DPU), R$ 46 milhões.
A possibilidade de estouro dessa margem de compensação pelo Judiciário não é descartada por fontes dentro do governo, que estão refazendo os cálculos sobre a questão. O aumento do teto do funcionalismo, para R$ 39 mil, vai impactar outros poderes, porque, a reboque, o Legislativo também vai aplicar o novo teto para se equiparar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Só que esse efeito cascata não consta no Ploa.
Pelas estimativas iniciais, o efeito cascata do reajuste do Judiciário, que, segundo o presidente do STF, Dias Toffoli, visa repor as perdas com a extinção do auxílio-moradia, vai custar bem mais do que esse benefício que consome anualmente quase R$ 1 bilhão por ano.
Especialistas criticam a cultura dos privilegiados do Judiciário e do Legislativo e até do Executivo. “O Brasil é o país da meia-entrada, daqueles que só querem levar vantagem, não importa quem esteja pagando a conta, cada vez mais cara”, reprova Andre Marques, coordenador dos cursos de gestão de políticas públicas do Insper. O economista Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV), engrossa o coro das críticas ao reajuste. “Está ficando claro que há uma guerra aberta e declarada entre servidores públicos ativos e pensionistas contra o resto da sociedade”, simplifica.
Despesas fora do controle
Conforme dados do Tesouro Nacional até setembro, o Judiciário continua estourando o teto de gastos neste ano, mesmo com o cálculo que ampliou a margem para o crescimento das despesas porque, em 2017, o governo conseguiu gastar R$ 50 bilhões a menos do que o previsto no teto. Com isso, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2018 recalculou novas margens diferenciadas para cada poder e órgão. Para a maioria, essa nova margem ficou acima da correção do teto pela inflação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulado em 12 meses até junho de 2017, de 3%. No entanto, com nova margem de enquadramento, a taxa média máxima para as despesas, calculada no Ploa, ficou em 7,1%. No acumulado de janeiro a setembro, a expansão dos gastos sujeitos ao teto ficou abaixo, em 5,5%, representando o pagamento de 71,26% do valor total do teto, de R$ 1.347,9 bilhão.
De acordo com o Tesouro, os dados de janeiro a setembro mostram que o Judiciário é o único poder estourando o teto sistematicamente. Neste ano, o gasto somou R$ 29,058 bilhões, um crescimento médio de 8,1% sobre o registrado em 2016, percentual acima da margem de enquadramento, de 7,2%. Ou seja, já gastou R$ 2,2 bilhões a mais sobre os valores de 2017, quando o permitido será até R$ 1,9 bilhão, obrigando o Executivo a cobrir o excesso.
Dentro do Judiciário, há órgãos mais austeros e outros mais perdulários.
Em 2017, no primeiro ano de vigência do teto, os gastos do Judiciário cresceram 7,5%, acima do permitido pelo limite legal, de 7,2%. Enquanto isso, todas as despesas subiram 3,1%, e os demais poderes, Executivo e Legislativo, ficaram abaixo desse percentual, com alta de 3% e 2,9%, respectivamente.
Para os analistas, um dos maiores desafios do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), será lidar com o desequilíbrio fiscal ao mesmo tempo em que enfrentará os abacaxis herdados por pautas-bombas, como a do reajuste do Judiciário e outras prestes a estourar. Pelas previsões do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, o país crescerá apenas 1,2% neste ano. “A economia continua moribunda e não dá para dizer que 1,2% é crescimento. O novo presidente vai pegar a economia deitada na cova e não em berço esplêndido”, frisa. “Para isso, terá de fazer as propostas de privatização, mas o Congresso já está testando forças com o Paulo Guedes (futuro ministro da Economia).
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