O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou ontem o diplomata Ernesto Araújo como o seu futuro ministro das Relações Exteriores. Promovido a embaixador em junho passado, Araújo ainda não havia chefiado nenhuma sede diplomática.
Em artigos e blogs, ele tem um discurso alinhado com o de Bolsonaro, é crítico da esquerda e do que chama de "ideologia globalista" e defende o "nacionalismo ocidental" do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Pelo Twitter, o presidente eleito justificou a escolha afirmando que Araújo é um "brilhante intelectual" e "a política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje".
O futuro ministro, de 51 anos, atualmente é diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty. No cargo de ministro, caberá a ele atuar na formulação e conduzir a política externa do Brasil com outros países e organismos internacionais. Durante a eleição, Araújo criou um blog em que atacava o PT e defendia Bolsonaro.
Nem o presidente eleito nem Araújo deram detalhes do que deve ser a diretriz da pasta das Relações Exteriores no novo governo. Já está claro, porém, que a ideia é romper com a linha adotada pelos governos petistas. A avaliação no entorno do presidente eleito é que o Itamaraty foi aparelhado e que sua atuação ficou limitada ao relacionamento com os países ditos "bolivarianos".
Essa linha já foi rompida pela atual gestão, como reconheceu o futuro chanceler numa carta divulgada ontem. "Aprofundaremos iniciativas lançadas com competência pela atual gestão", escreveu Araújo. Na carta, ele enaltece o presidente eleito.
"Bolsonaro com amor e coragem!", escreveu. "Este é o lema do candidato em que sempre acreditei, junto com tantos milhões de brasileiros (...). A mão firme e confiante do presidente Bolsonaro nos guiará."
Analistas da política externa ouvidos pelo Estado apontaram a escolha como polêmica e com potencial foco de conflitos com áreas do governo, como a militar, o setor exportador do agronegócio e o próprio Itamaraty. A avaliação tem como base textos publicados em revistas especializadas e no blog Metapolítica 17, em que expõe suas visões políticas.
O principal ponto é a crítica ao "globalismo", que ele classifica como "a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural". "É um sistema anti-humano e anticristão", escreveu Araújo no seu blog. Para ele, o ocidente seria vítima de uma articulação global que teria como raiz a "China maoísta" e o presidente eleito seria o único capaz de evitar a dissolução da nacionalidade brasileira - que seria fundamentalmente cristã e conservadora. Em um outro texto, chama o PT de "Partido Terrorista".
"Essa nomeação pode criar um imbróglio dentro do próprio governo", disse o professor de história da Política Externa da Faap, David Magalhães. Segundo o professor, as ideias do futuro chanceler reproduzem em vários momentos os argumentos do filósofo Olavo de Carvalho.
Em um artigo publicado na revista do Instituto de Pesquisa e Relações Internacionais (Ipri), vinculado ao Itamaraty, ele afirma que "somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação - inclusive e talvez principalmente a nação americana". E, ao final, sugere: "Somente Trump pode ainda salvar o Ocidente".
O embaixador considera que a imagem de Trump fica contaminada pela conotação negativa com que a imprensa americana trata o presidente. A interlocutores, Fraga avaliou que o Brasil precisa estreitar laços com os americanos, por exemplo, por meio da ênfase na parceria com EUA no mercado da indústria de defesa e cibersegurança.
Discrição
Os textos pavimentaram o caminho de Araújo até o posto de chanceler do futuro governo. Por ser relativamente jovem e não ter experiência como embaixador, era tido como um "azarão" nas bolsas de apostas.
Gaúcho, formado em Letras e escritor, Araújo é descrito por colegas como uma pessoa discreta e até mesmo introvertida. A retórica assertiva que se vê nos artigos e no blog não aparece no dia a dia do trabalho.
O diplomata fez sua carreira em postos relacionados com temas econômicos, como a União Europeia, Genebra e Alemanha. Em Washington, foi ministro conselheiro para área econômica. Há pelo menos 10 anos se dedica à relação com os EUA. Araújo é casado com a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa e genro do ex-secretário-geral do ministério Luís Felipe Seixas Corrêa.