A pequena Michelle gostava de brincar no exíguo pátio da residência improvisada em Ceilândia Norte. Morava ali com a mãe, Maria das Graças, e o pai, Paulo, motorista de ônibus, nos fundos de um lote. "Havia outro barraco ali", aponta a tia, Ângela Maria, mostrando um espaço agora vazio, onde ela mesma esteve instalada na época.
Os cômodos precários ficavam atrás da casa onde moravam os avós e os tios. Um deles, Gilberto, com deficiência auditiva, inspirou Michelle a aprender a linguagem de sinais, que ela usa hoje em trabalhos sociais. "Aqui vivia Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, primeira-dama do Brasil", relata, com orgulho, Ângela Maria.
A casa maior foi vendida, e hoje abriga uma loja de utilidades domésticas — nos fundos, a residência da infância de Michelle abriga outra família. Ângela e a avó de Michelle, Maria Aparecida Firmo Ferreira, 76 anos, moram na favela do Sol Nascente. Já Maria das Graças tem uma casa perto dali, em Ceilândia Norte. E não poupa palavras de admiração sobre a filha. "Deus falou que ela ia ter uma redoma, porque ela merece. É linda, linda. Uma obra-prima detalhada pelo Senhor. Não sei a quem puxou. O pai dela é feio. Eu sou feia", diz a mãe, que se separou do marido quando Michelle era criança.
Maria das Graças afirma que a filha já lhe ofereceu para que se mudasse de endereço, o que recusou. Assevera que a eleição de Jair Bolsonaro não vai fazer com que ela altere o estilo de vida. "Quem vai receber a faixa é ele", diz Maria das Graças, que trabalhou voluntariamente pela eleição de Bolsonaro. Só tem elogios em relação a ele. "É maravilhoso", destaca.
Lamenta, porém, ficar longe de filha. "A Michelle era meu braço, minha perna. Tem hora que eu não acredito que é minha. A gente não pode mais ter aquele vínculo. Eu queria a Michelle como ela era. Aceito porque é de Deus", afirma.
"Queria te abraçar"
Maria das Graças tem a mesma idade de Brasília, aonde chegou com 10 anos. A família veio em 1970 de Presidente Olegário (MG), cidade de 18 mil habitantes. Compraram um barraco na Vila do IAPI, onde nasceu Ângela Maria. Depois, foram tirados dali e transferidos para Ceilândia Norte. O pai, Ibraim Firmo Ferreira, avô da futura primeira-dama, trabalhou muito tempo como gari, até se aposentar.
A casa em que Maria Aparecida, a avó, vive hoje no Sol Nascente é inferior à que tiveram antes. Tem paredes sem reboco e galinhas ciscando pelo quintal. Moram ali alguns dos filhos — ela teve oito no total, quatro mulheres e quatro homens. Gilberto, um dos que ainda vivem com ela, manda uma mensagem a Michelle usando a linguagem brasileira de sinais (Libras). “Gosto de você desde pequeno. Queria te abraçar”, traduz Ãngela Maria.
A tia conta que ela e Michelle chegaram a fazer alguns trabalhos como modelo. A mãe diz que a filha se afastou dessas atividades aconselhada por uma missionária da igreja evangélica que frequentavam. Foi, então, trabalhar como demonstradora de alimentos e, depois, de vinhos. Mais tarde veio o emprego na Câmara e o casamento com Jair Bolsonaro. "Só chega nesse patamar uma pessoa com visão e foco", elogia Ângela.
O avô Ibraim morreu durante um assalto em Planaltina quatro anos atrás. "Foi brutalmente assassinado", conta a tia. Michelle pagou o funeral. Foi quando Maria Aparecida viu a neta pela última vez.
Jejum e orações
A avó guarda com carinho fotos do casamento de Michelle e Bolsonaro, em 2013, no Rio, enviadas por meio eletrônico e impressas em uma folha de sulfite. "Fiquei muito feliz. Ela nem pensa como eu fiquei feliz por ela, de eu saber que ela era quem ela era, tadinha, e hoje ela é daquele jeito porque ela teve atitude, procurou, correu atrás. Toda a vida ela trabalhou", conta.
Maria Aparecida acompanha de longe da vida da futura primeira-dama e do presidente eleito, a quem chama de Jair. Ficou chocada com o atentado que ele sofreu. E chegou a fazer jejum orando para que ele se recuperasse.
A avó de Michelle conta que tem poucos sonhos na vida. Um deles é fazer uma viagem para longe. "Nunca entrei no avião, tenho medo. Mas antes de um morrer quero fazer isso." Não conta com favores depois da posse do marido da neta. "Quero melhorar a minha situação. Mas, se não puder fazer nada pela gente, ele vai fazer muito (pelo país), e a gente toca no meio", diz.