Após dois dias de julgamento, a maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, ontem, pela manutenção do decreto de indulto natalino assinado, em 2017, pelo presidente Michel Temer. Seis dos 11 ministros defenderam a medida, que extingue a pena dos presos beneficiados, e dois magistrados foram contra o texto. No entanto, um pedido de vista do ministro Luiz Fux suspendeu a sessão. Se a decisão fosse publicada imediatamente, ao menos 22 condenados no âmbito da Operação Lava-Jato poderiam sair da cadeia, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-senador Gim Argello.
Até que a análise do caso seja retomada, cuja data não é previamente definida, fica valendo a liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em março deste ano, após a Procuradoria-Geral da República (PGR) entrar com uma ação contra o decreto. Os itens questionados se referiam ao perdão de pena para quem cumprir um quinto da condenação e a extinção de multas, independentemente do valor. Assim, Barroso fez alterações no texto do indulto e vetou o benefício a condenados por crimes de colarinho-branco, como corrupção, lavagem de dinheiro e peculato, que eram amparados pelos requisitos determinados no perdão presidencial.
Além de Barroso, o ministro Edson Fachin se declarou contrário ao indulto. “Não há na Constituição expressa regulamentação sobre o alcance desse poder presidencial. Isso não leva a compreender que esse poder seja ilimitado. Parece-me ser próprio de uma Constituição republicana que os poderes públicos sejam limitados”, argumentou.
Já Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello se disseram a favor do indulto. Todos entenderam que o Judiciário não tem competência para alterar ou barrar um decreto presidencial, sobretudo de indulto natalino, previsto na Constituição. “Podemos concordar ou não com o instituto (do indulto), mas ele existe, é ato discricionário de prerrogativa do presidente da República”, justificou Moraes.
Com seis votos contra dois, Luiz Fux anunciou que pediria vista do processo. Gilmar Mendes propôs, então, a apreciação da liminar de Barroso para decidir se a mantinham ou a derrubavam. Durante a votação, que estava 5 a 4 e sem Lewandowski em plenário, Toffoli decidiu pedir vista e encerrou a sessão.
Alfinetadas
O julgamento foi marcado por alfinetadas entre os ministros. Fachin disse que a manobra de Gilmar Mendes tinha como principal objetivo “esvaziar o pedido de vista” de Fux para conseguir liberar o decreto de Temer. Já Barroso afirmou: “Todo mundo sabe o que está acontecendo aqui e todo mundo sabe o que eu penso”.
Especialistas consultados pelo Correio afirmam que, com o resultado parcial da votação, as defesas dos condenados que se enquadram no decreto podem fazer um pedido individual na Justiça pela soltura. Além disso, mostra que a Corte dá respaldo às escolhas do presidente, que, mesmo deixando o Palácio do Planalto, assinará uma nova edição do benefício neste ano.
Para o advogado e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP) João Paulo Martinello, uma decisão proferida pela Corte só tem efeito prático quando publicada. No entanto, com a maioria favorável ao indulto, e o caso analisado é referente à liberdade individual, uma alternativa para que o condenado receba o perdão é pedir um habeas corpus. “Pode alegar que há a expectativa da concessão do benefício e que a suspensão do julgamento e a não publicação da decisão é mera formalidade, pois houve maioria de votos”, explicou.
Risco
Já segundo o advogado e docente de direito no Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Álvaro Castelo Branco, não cabe ao Supremo analisar questões do mérito de um decreto presidencial, como se alguns crimes pudessem ou não ser restringidos, como prevê a liminar de Barroso. Isso porque o benefício só não pode ser concedido a crimes cometidos com violência ou ameaça, segundo a Constituição. Ou seja, a corrupção, por mais que seja crime grave, com consequências impactantes, não é praticada dentro desses critérios. “Mas a maioria do STF decidiu que ele só pode analisar se o presidente observou ou não esses requisitos”, pontuou.
Quanto aos recursos de cada uma das defesas de presos, Castelo Branco disse que é um risco, porque os ministros ainda podem mudar de opinião. “Não é comum acontecer, mas alguns deles podem mudar o voto. Como envolve liberdade, um direito sagrado, pode haver pedidos de habeas corpus, mas não é prudente, porque o julgamento ainda não terminou.”
Entenda o que estava sendo votado pela Corte
O que é o indulto de Natal
O indulto de Natal é um benefício previsto na Constituição e concedido por meio de decreto presidencial a condenados em um período próximo ao Natal. O benefício é destinado a quem cumpre requisitos especificados no texto, publicado ano a ano. Se o preso for beneficiado com o indulto, tem a pena extinta e pode deixar a prisão.
Indulto de Temer de 2017
Em 2017, o presidente Michel Temer determinou que o preso que tiver sido condenado por crimes que não representem grave ameaça à sociedade e tiver cumprido, se for réu primário, 1/5 da sua pena até 31 de dezembro de 2017, poderia ser beneficiado pela medida. Ele incluiu ainda no decreto os crimes do colarinho branco, como corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. Ou seja, ao menos 22 condenados no âmbito da Operação Lava-Jato poderiam sair da cadeia.
Os requisitos utilizados no ano passado, contudo, destoavam dos critérios estabelecidos em 2016, também estipulados por Temer. No decreto de 2016, Temer decretou que só poderiam ser beneficiados pelo indulto pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes.
Liminar de Barroso
Em março deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso concedeu uma liminar após a Procuradoria Geral da República (PGR) entrar com a ação contra o decreto de Temer. A PGR afirmou que o indulto beneficiaria presos por crimes de colarinho branco. No texto da decisão provisória, ele questionou a diminuição do tempo de cumprimento de pena do condenado e a inclusão de crimes do colarinho branco como um dos requisitos para conseguir o benefício. O magistrado então aumentou o período de cumprimento para ao menos um terço da pena. Ou seja, permitiria o benefício apenas para quem foi condenado a mais de oito anos de prisão. O ministro também vetou a concessão para crimes de colarinho branco e para quem tem multa pendente.
Veja como votou cada ministro
Contra
Luís Roberto Barroso
Relator do caso, o ministro fez um forte discurso contra trechos do indulto estabelecido por Temer e pediu combate à corrupção.“A corrupção mata na fila do hospital, mata na falta de leitos, de equipamentos e de estradas sem qualidade. Mata na ausência de estrutura das escolas. O fato de o corrupto não ver os olhos da vítima que ele produz não o torna menos perigoso”.
Edson Fachin
Para o ministro, o indulto não pode valer para penas que ainda não transitaram em julgado, ou seja, que ainda cabem recursos. "É contrária a finalidade do indulto permitir que esse instituto recaia sobre quem está fora do sistema carcerário".
A favor
Alexandre de Moraes
Indicado por Temer, o ministro argumentou que a Constituição garante a independência entre os poderes da República e o presidente, como chefe do Executivo, pode editar o decreto como quiser, sem interferência do Judiciário. "Podemos concordar ou não com o instituto [do indulto], mas ele existe, é ato discricionário de prerrogativa do presidente da República”.
Rosa Weber
A ministra concordou com Moraes e disse que Temer tem a prerrogativa constitucional de definir os requisitos para o benefício. "O poder de perdão presidencial é um componente importante das prerrogativas do Executivo, permitindo que o presidente intervenha e conceda o indulto".
Ricardo Lewandowski
Para o ministro, as regras não podem ser revistas pelo Judiciário. “O ato político ou de governo não é sindicável pelo Judiciário, diferentemente do ato administrativo de caráter vinculado".
Marco Aurélio Mello
A favor do indulto de Temer, o ministro afirmou que “a anistia e o indulto são o perdão” e ressaltou que, ainda assim, era contra a corrupção."Não há no plenário divisão entre aqueles que são a favor do combate -- até desenfreado -- da corrupção e os que são contra esse combate. Nós somos a favor da ordem jurídica, da observância irrestrita da ordem jurídica".
Gilmar Mendes
Para Gilmar Mendes, o Supremo só poderia alterar o decreto de Temer se fosse contrário à Constituição, que impede o perdão apenas para crimes hediondos, tráfico, terrorismo e tortura. Com o pedido de vista de Luiz Fux, foi Gilmar Mendes quem sugeriu que fosse reanalisada a liminar de Barroso.
Celso de Mello
O ministro seguiu o pensamento de Alexandre de Moraes e afirmou que o Judiciário não pode alterar um decreto presidencial. "O STF não dispõe de competência para estabelecer exclusões do objeto do indulto presidencial", disse.