O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) prestou depoimento na Justiça Federal de São Paulo na tarde desta quinta-feira, 6, no processo em que o seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é acusado de corrupção por, segundo o Ministério Público Federal, ter recebido propina para a editar a Medida Provisória 471. A MP, investigada na Operação Zelotes, foi aprovada em 2009 e tinha como finalidade prorrogar incentivos fiscais de montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Fernando Henrique Cardoso foi arrolado como testemunha pela defesa do lobista do setor automobilístico Mauro Marcondes Machado, réu no processo, porque a MP editada em 2009, no governo Lula, alterou duas leis de 1997 que estabeleciam incentivos fiscais para o desenvolvimento regional quando o tucano ocupava a presidência. Nos 20 minutos em que falou por videoconferência ao juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, o tucano afirmou que, quando se é presidente, há muita pressão de regiões, parlamentares e setores da sociedade para que medidas provisórias sejam aprovadas, mas que cabe ao chefe do Executivo decidir o que é melhor para o País e para o interesse nacional.
"O governo tem que ter capacidade em saber se é ou não do interesse do País, normalmente é assim. Há demanda do próprio Congresso e de regiões também. Demandar é fácil, todo mundo pede. O problema é conceder ou não conceder. O presidente para poder assinar é muito formalizado, passa pela AGU, tem que falar com ministro da área. Eventualmente o presidente ouve alguma demanda. Função do presidente é separar o que é bom do que é ruim para o País, o que é interesse nacional e o que não é", disse.
Questionado, o ex-presidente explicou o rito da aprovação de uma medida provisória. Segundo ele, a matéria era discutida pelos ministérios relacionados ao tema e depois passava pelo crivo da Casa Civil. "O presidente não tem tempo para olhar tudo. Gerente dos ministérios é a Casa Civil. Ela é um filtro de outras discussões. Depois, passa pelo advogado-geral da União. O presidente não assina nada que não tenha o ok da Casa Civil e do advogado-geral da União, que é peça-chave para ver se está ou não conforme a realidade. Nunca vi medida provisória de iniciativa minha ou de outra pessoa que não tenha passado por esse caminho, que é o normal. O presidente não funciona sem duas muletas: Casa Civil e AGU."
FHC informou ainda que quando era presidente foi pressionado por regiões, em especial a Nordeste, a respeito da necessidade de que houvesse apoio para a dispersão da produção de automóveis, que era concentrada em São Paulo. Segundo o tucano, houve uma forte pressão da Bahia e resistência de outros Estados, mas não da região Centro-Oeste. "Houve um primeiro movimento, que foi um investimento grande no Rio Grande do Sul. Chegou a Ford e depois a Chevrolet. Fizeram um investimento grande. Achei, pessoalmente, interessante por causa do Mercosul. Sempre achei que para consolidar uma integração regional era necessário que a produção fosse feita na área. Que eu me recorde, a principal voz era do Nordeste."
Propina por aprovação
Antes de FHC prestar depoimento, o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci disse, em depoimento à Justiça Federal do Distrito Federal, que o ex-presidente Lula negociou com o lobista Mauro Marcondes Machado pagamentos a Luís Cláudio Lula da Silva, seu filho caçula, para a aprovação da medida provisória que tinha como finalidade prorrogar incentivos fiscais de montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Ao juiz Ricardo Augusto Soares Leite, Palocci afirmou que, entre o final de 2013 e o início de 2014, o filho caçula do ex-presidente Lula o procurou na sede de sua consultoria, em São Paulo, para pedir contribuições para o seu projeto de esportes.
"Ele disse que precisava para o evento 'Touchdown', que ele lidera, para fechar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões e que eu ajudasse com recursos via empresas conhecidas, porque eu conhecia muitas. Não pude fazer nada e fui falar com Lula para saber se ele me autorizava a fazer isso. Sempre que alguém me pedia em nome do ex-presidente eu o consultava", contou.
"Aí, ele (Lula) me disse que não precisaria atender ao pedido de seu filho porque ele disse que tinha resolvido o problema com o Mauro Marcondes. Ele me falou que empresas iriam pagar Mauro Marcondes, porque ele já prestava serviços a elas, e prestou nesta ocasião também, porque iam pagar quantia entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões, e que o Mauro ia repassar recursos ao Luís Cláudio."
POLÍTICA