O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), está em uma campanha clara para minimizar as denúncias contra o filho e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), cujo ex-assessor movimentou, de forma suspeita, R$ 1,2 milhão em conta-corrente. Não é para menos. O futuro chefe do Palácio do Planalto está com a popularidade nas mãos e quer, no mínimo, mantê-la. Pesquisa divulgada ontem pelo Ibope mostra que 75% da população acha que o governo eleito está no “caminho certo”. A expectativa de 64% da sociedade é de que a gestão será ótima ou boa.
Os números respaldam a popularidade de Bolsonaro, que precisa disso para ter população e o Congresso como fiadores da aprovação da agenda econômica. Mas a costura pela governabilidade não será simples. Além das suspeitas envolvendo Flávio, a falta de unidade dentro do próprio PSL coloca em xeque a desenvoltura da articulação da bancada por espaços com partidos aliados.
Ciente da importância de tranquilizar apoiadores e parceiros políticos, Flávio se defendeu ontem, em mensagem publicada nas redes sociais. “Mantendo nossa coerência de sempre, não existe passar a mão na cabeça de quem errou. Não fiz nada de errado. Sou o maior interessado em que tudo se esclareça ‘para ontem’, mas não posso me pronunciar sobre algo que não sei o que é, envolvendo meu ex-assessor”, disse.
O suspeito, o ex-motorista de Flávio Fabrício Queiroz, movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017, segundo um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que analisou fluxos suspeitos relacionados a deputados estaduais do Rio de Janeiro. O senador eleito ressalta, no entanto, que o ex-assessor não teria recebido a quantia apurada. “Na verdade, foram R$ 600 mil que entraram e mais R$ 600 mil que saíram de sua conta. Ainda assim, um valor alto e que deve ser esclarecido por ele, que tomou a decisão de não falar com a imprensa e somente falar ao Ministério Público”, declarou.
Na mensagem, o senador eleito não disfarçou o incômodo com a situação. “Isso é ruim pra mim, mas não tenho como obrigá-lo”, declarou. Parte dos recursos movimentados por Queiroz, R$ 24 mil, foi depositada na conta da mulher do presidente eleito, Michelle Bolsonaro, de acordo com o relatório do Coaf.
Resposta
Em transmissão ao vivo nas redes sociais na noite de quarta-feira, Bolsonaro disse que “pagará a conta”, caso haja algo errado com ele ou o filho na suspeita envolvendo Queiroz. “Temos problema com um ex-assessor nosso, do Flávio, com movimentação atípica. Vai ser ouvido na semana que vem. (...) Que paguemos a conta, se algo estiver errado comigo ou com meu filho, mas nós não somos investigados”, destacou.
O futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, foi outro que saiu em defesa aos envolvidos. Em entrevista exibida na madrugada de ontem pelo programa Conversa com Bial, da TV Globo, absolveu o presidente eleito de responsabilidade no caso e disse que o valor movimentado à conta de Bolsonaro é “irrisório”. “O presidente está isento disso aí porque não teve participação. O que apareceu dele é irrisório, uma quantia pequena, e ele mesmo já explicou. Acredito que não vá atingi-lo”, ponderou.
O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão (PRTB), admite que “causa incômodo” a demora de Queiroz em dar explicação sobre a movimentação bancária. Mas, ontem, também isentou o presidente eleito e Flávio de envolvimento em qualquer suspeita. “Óbvio que toda vez que você tem de dar explicação, isso incomoda, é desagradável. Mas volto a dizer: tenho plena confiança no presidente e no Flávio. Confio nos dois”.
Esclarecimentos
A força-tarefa mobilizada por Flávio e o governo eleito para dar justificativas é bem avaliada por aliados. Em reuniões com as bancadas, Bolsonaro prometeu transparência. “É uma questão envolvendo Flávio, e não o presidente, mas todos esperamos esclarecimentos. Qualquer sinal de fragilidade e perspectiva de o governo não ser a mudança que a população espera seria algo ruim”, ponderou o deputado e senador eleito Izalci Lucas (PSDB-DF).
Se, por um lado, o governo eleito procura um modo de tranquilizar a base aliada que começa a ser construída, por outro, a bancada do PSL não ajuda. A reunião com Bolsonaro na quarta-feira foi complicada. “Confundiram a reunião da bancada com o encontro com o presidente. Não discutimos pautas importantes e não houve votação para a costura da liderança que representará o partido na articulação com a Câmara”, disse um parlamentar eleito da legenda.
É natural que, em um partido com muitos parlamentares de primeira viagem, haja desentendimentos, admite Izalci. Para ele, é questão de tempo até o PSL construir uma unidade. No momento, o padrão de comportamento de divisão interna gera insegurança e insatisfação a alguns políticos. “Estão afoitos querendo abraçar o mundo. É preciso calma”, recomendou.
Cirurgia no fim de janeiro
Após ser avaliado ontem pela equipe médica do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro deverá ser submetido à cirurgia de fechamento da colostomia em 28 de janeiro. O procedimento, que chegou a ser agendado para a última quarta-feira, foi remarcado depois que uma inflamação foi detectada. Com isso, o futuro presidente ficará livre para participar do Fórum Econômico Mundial, de 22 a 25 de janeiro, em Davos, na Suíça. A equipe médica, que tem atendido Bolsonaro desde o ataque em Juiz de Fora (MG), em setembro, apontou, no exame de rotina realizado ontem, que o paciente está em condições excelentes de recuperação.