Jornal Estado de Minas

Contemporâneos de Paulo Guedes em BH o classificam como ''avesso à política'' e ''bom de bola''

“Dia 20 faremos nossa reunião de final de ano na Pizzaria Giovanni, na Floresta, e gostaríamos de sua ilustre presença, juntamente com os demais de sua turma. Vamos comemorar também a ressurreição do Véio Zuza, que fez três pinguelas de safena”. O destinatário da mensagem de WhatsApp é o futuro superministro da Economia do governo Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes, de 69 anos, aguardado, nesta quinta-feira, para a tradicional confraternização dos ex-alunos do Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH), na capital mineira, onde o carioca passou infância e juventude. Filho de um representante comercial de material escolar, Guedes morou com a família em BH na década de 1960 e início dos anos 70, no Bairro Barroca, Região Oeste.





Na terra das alterosas, mais que o brilhante desempenho acadêmico, o “Paulinho” ou “Guedinho”, apelidos dados em virtude de sua baixa estatura, deixou a fama de ser bom de bola. Também é lembrado pela personalidade cordial, mas do tipo que “não leva desaforo”, como já vem mostrando nas articulações políticas antes da posse. O jeito de baixinho invocado ficava explícito com a túnica do colégio, que andava frequentemente desabotoada, e pelo espírito competitivo, no gramado e na sala de aula.

Guedes, que se cacifou como “posto Ipiranga” de Bolsonaro, uma espécie de sabe-tudo da economia, traz nas primeiras linhas do currículo o CMBH, o Colégio Universitário e a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Face/UFMG). Na UFMG, conquistou o título de vice-campeão do torneio universitário, mostrando que a habilidade com as chuteiras seguiu no ensino superior.

Depois de concluir o curso de economia, em 1971, voltou para o Rio, onde fez mestrado na Fundação Getulio Vargas (FGV) e, mais tarde, mudou-se para os Estados Unidos, tendo obtido o título de PhD pela Universidade de Chicago, referência no pensamento econômico liberal, que promete guiar o novo governo. Mesmo de longe, os amigos de BH nunca perderam Guedes de vista, até pela reconhecida trajetória profissional dele, à frente das empresas de investimentos BTG Pactual e Bozano, do Centro Universitário Ibmec, entre outros.





Fachada do Colégio Militar na década de 60, onde Paulo Guedes frequentou as aulas durante sete anos, e o diário de classe do ex-aluno (foto: Fachada do Colégio Militar na década de 60, onde Paulo Guedes frequentou as aulas durante sete anos, e o diário de classe do ex-aluno )

CRAQUE 

Em razão da atribulada rotina da transição de governo, organizadores do encontro de fim de ano do Colégio Militar, onde Guedes estudou de 1961 a 1967, consideram improvável a presença do colega na quinta-feira, quando festejarão ainda a bem-sucedida cirurgia cardíaca do ex-professor de inglês da escola, o Véio Zuza, mas lembram que o economista, sumido da capital mineira, já prestigiou o evento em edições passadas.

“Ele chegou a participar de algumas reuniões de ex-alunos. Temos vários ministros ex-alunos, o Torquatinho (Torquato Jardim, ministro da Justiça de Michel Temer) mesmo também foi convidado”, conta o administrador aposentado Paulo Saturnino, de 70, “bicho” – forma como denominavam os calouros – de Guedes. “Se (Guedes) for ministro como era jogador de futebol... Jogava com muita classe e categoria”, diz. No futebol de salão, era “ala” e, no de campo, atuava como “meia”, mesma posição dos craques da época Pelé e Garrincha. Morador do Barroca, chegou a jogar no time do bairro.

Não por acaso o engenheiro mecânico e empresário Renato Zarife, de 70, colega de turma do futuro ministro, começou por “bom de bola” a lista de predicados que escreveu sobre o amigo de infância. A lista apresenta ainda as seguintes qualidades sobre Guedes, nesta ordem: “Estudioso, bom músico (Guedes tinha banda e tocava piano), ótimo amigo, inteligente e sempre teve namoradas bonitas”. “A gente tem muitos casos, nem todos a gente pode contar”, comenta o empresário, que anos atrás esteve com Guedes no Rio.





AGITO 

Apesar da aparência séria, o superministro de Bolsonaro gostava de agito. Em 1970, Zarife abriu o Be-B, bar de batidas na Savassi, do qual Guedes era frequentador recorrente. “Íamos também na Boate People, que era a de mais alto nível social”, conta. “Encontrei-me com ele no Rio, na época do mestrado, perguntei como estava a vida e as farras. Ele disse que não achava justo sair e ir pra praia enquanto o pai fazia o sacrifício de pagar pelos estudos”, afirma Zarife, que considera que o gesto mostra o “caráter” do colega.

A notícia de que Guedes poderia virar ministro surpreendeu. “Guedes sempre foi avesso à política, porque dizia que tem muita sujeira. Para mim, foi uma surpresa”, conta Zarife, que mantém contato com o amigo por WhatsApp e passou a fazer campanha para Bolsonaro depois que soube que Guedes estava no time do capitão.

Também colega dos tempos de Colégio Militar, o aposentado Robert Henriques, de 71, se recorda bastante do ministro do capitão reformado. “Era brilhante aluno. Um baixinho chato, de personalidade forte. Era encrencado, não levava desaforo pra casa. Ele não aceitava sarro”, conta Henriques, bem-humorado. O Estado de Minas solicitou os boletins de Guedes no Colégio Militar, que informou só liberar o documento com a autorização do aluno. Paulo Guedes não retornou o contato da reportagem.





Na cozinha de célebres comandantes da Fazenda

Em 1968, ano em que o Ato Institucional 5 (AI-5) entrou em vigor, dando início aos tempos mais duros do regime militar, o jovem Paulo Guedes ingressava, aos 18 anos, no curso de economia na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Face/UFMG). O prédio da Face, na esquina das ruas Curitiba e Tamoios, no Centro da capital, era extremamente visado pela repressão. Naquele mesmo ano, perseguida pelos militares, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), também aluna da Face, foge para o Rio. Longe dessas movimentações e sentado nas primeiras carteiras da sala, o futuro ministro da Economia do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) começava a flertar com o liberalismo econômico, norte de sua condução à frente da pasta.

“Guedes tinha uma inteligência espetacular, além de ser muito bom de bola”, conta o administrador de empresas Edwaldo Almada, um dos titulares da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) no Conselho de Representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostrando que a fama de jogador competente seguiu na graduação. Os dois foram colegas nos primeiros dois anos do curso básico da Face. “Naquela época, as faculdades tinham um campeonato de futebol. As preliminares eram no Mineirão. Fomos vice-campeões”, conta.

O industrial Edwaldo Almada com a foto da turma, incluindo o superministro, que se formou na UFMG (foto: Reprodução/Arquivo Face)
“De uma maneira geral, Guedes já tinha um pensamento mais liberal”, recorda-se Almada, que deu seu voto de confiança no colega, “posto Ipiranga” de Bolsonaro, nas eleições deste ano. Na mesma sala, estava também José Afonso Bicalho Beltrão da Silva, secretário de Estado da Fazenda do governo de Fernando Pimentel (PT), que, apesar das diferenças políticas, atesta que o futuro ministro era um aluno “brilhante”, em nota enviada por sua assessoria de imprensa.





“Nessa época, tinham grandes expoentes como Edmar Bacha, que estudou na nossa frente e ajudou na criação do Plano Real, e a Dorothea Werneck (ministra nos governos de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso)”, observa o administrador. No quadro de professores estavam outras celebridades da economia, que também já ocuparam o mesmo cargo que Guedes assumirá em janeiro, como o economista Paulo Haddad, ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.

O economista aposentado Rodrigo França Ribeiro, de 70, também se formou na mesma turma de Guedes e Bicalho, em 1971. “Guedes era muito ligado aos estudos e sempre foi muito competitivo. Queria sempre ficar em primeiro lugar e ser o campeão”, conta. Na escola, tinham ótima convivência, mas perderam o contato depois da formatura, tomando caminhos diferentes. “Ele era um bom aluno, mas, com todo respeito e coleguismo, acredito que seja um instrumento liberal que cumpre as determinações do fascismo”, diz.