A Liga Árabe aumenta a pressão sobre o governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e aprovou nesta terça-feira, 18, no Cairo, uma resolução pedindo que o Brasil "respeite o direito internacional" e que abandone a ideia de mudar a embaixada do País de Tel Aviv para Jerusalém, o que significaria o reconhecimento da cidade como capital de Israel.
O grupo irá mandar uma carta de protesto ao novo governo e, segundo o governo palestino, os embaixadores brasileiros serão alertados de que, se o plano for mantido, a região tomará as "medidas políticas, diplomáticas e econômicas necessárias" diante de um ato considerado como "ilegal".
A decisão foi tomada depois que as autoridades palestinas solicitaram uma reunião de emergência da Liga Árabe diante do anúncio do presidente eleito. Pesou ainda o fato de a Austrália, no fim de semana, dar uma sinalização na mesma direção, ainda que com uma decisão mais suave que a brasileira e reconhecendo apenas Jerusalém Ocidental como capital de Israel.
Outra decisão anunciada por Cairo foi o envio de uma "delegação de alto escalão" ao Brasil para lidar com a crise e para informar ao novo governo de Bolsonaro sobre a necessidade de "cumprir o direito internacional" no que se refere à situação de Jerusalém. Agradecendo aos demais países árabes, o chanceler palestino, Riyad Malki, indicou em um comunicado que a decisão havia sido tomada por unanimidade.
Na carta enviada a Bolsonaro, os árabes vão destacar as resoluções da ONU que estabelecem o status legal de Jerusalém. O conselho da Liga Árabe ainda decidiu comunicar aos embaixadores brasileiros nos diferentes países árabes sobre "qualquer ato que viole o status legal e histórico de Jerusalém". De acordo com Malki, o recado irá alertar que "estados membros da Liga Árabe tomariam as medidas políticas, diplomáticas e econômicas necessárias em relação a essa ação ilegal".
Embaixadores palestinos de alto escalão explicaram à reportagem que a aprovação da resolução é um sinal claro de que os demais governos árabes estão dispostos a reduzir compras de carnes e outros produtos brasileiros caso a mudança da embaixada prometida por Bolsonaro siga adiante.
Visita ao Brasil
Mas a esperança de todos é de que isso não ocorra e que haja um entendimento diante do envio da missão. Também há uma percepção entre os árabes de que a viagem do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao Brasil seja uma forma encontrada por Tel Aviv para pressionar Bolsonaro a manter sua promessa de campanha.
O chefe de governo insistiu nesta semana que aposta que o presidente eleito irá promover uma "revolução" nas relações bilaterais. A reportagem apurou que o israelense ficará cinco dias no Brasil, um período considerado como fora dos padrões para as viagens por parte de um primeiro-ministro. Essa é ainda a primeira vez que um chefe de governo em exercício de Israel visita o Brasil, que tradicionalmente tomou uma postura de equidistância entre Tel Aviv e Ramallah.
O israelense viajará no dia 27 de dezembro ao Rio de Janeiro.
Em uma reunião em seu partido, o Likud, na segunda-feira, 17, o israelense apontou que o brasileiro indicou que irá promover uma "revolução na relação com Israel". Sua agenda no Brasil ainda inclui reuniões com a comunidade judaica. No dia 31, ele viaja para Brasília, onde será um dos principais convidados para a posse de Bolsonaro. Netanyahu estará em praticamente todos os atos solenes que fazem parte da posse, incluindo cerimônias no Congresso Nacional.
A importância dada por Tel Aviv ao gesto do novo governo brasileiro não ocorre por acaso. "O Brasil não é simplesmente mais um país", disse Netanyahu. "Esse é um país com quase um quarto de bilhão de pessoas.
Leis
O argumento dos árabes contra a mudança está baseado em diversas resoluções aprovadas nos últimos anos na ONU. Em dezembro de 2017, por exemplo, o governo brasileiro de Michel Temer foi um dos 128 países que apoiou uma resolução na ONU condenando a decisão de Donald Trump de transladar sua capital em Israel para Jerusalém. Segundo o texto aprovado, uma decisão de qualquer governo questionando o status da cidade deve ser considera como "nula e inválida".
Ao estabelecer a criação do Estado de Israel, depois da Segunda Guerra Mundial, a ONU também indicou que Jerusalém deveria ser mantida como "corpus separatum", uma espécie de status internacional. Na guerra entre 1948 e 1949, a cidade foi dividida entre o setor Ocidental e Oriental, esta com uma população palestina.
Em 1967, Israel ocupou Jerusalém Oriental, incluindo locais santos para as três religiões monoteístas. Treze anos depois, o Parlamento Israelense votou sua anexação, algo que a comunidade internacional rejeitou e passou a defender que o estatuto final da Cidade Santa deve ser parte de uma acordo de paz definitivo. Para os palestinos, a cidade também seria a capital de seu futuro estado soberano.
Uma eventual decisão de Bolsonaro de transferir a embaixada significaria que o Brasil aceitaria a ideia de que Jerusalém é a capital israelense, e não mais uma reivindicação palestina. Mas o Brasil ainda iria contra diversas resoluções aprovadas pela ONU ao longo dos últimos 50 anos e que tinham como objetivo evitar que Israel declarasse soberania completa sobre a cidade.
Em 22 de novembro de 1967, por exemplo, a resolução 242 determinou que Israel retirasse suas forças dos territórios ocupados na guerra daquele ano, incluindo do lado Oriental de Jerusalém.
Em 1º de março de 1980, mais duas resoluções aprovadas e ambas pedindo a Israel para impedir a construção em territórios ocupados, inclusive em Jerusalém. Em 20 de agosto, a resolução 478 condenava Israel por mudar o status de Jerusalém e apelava a governos que tivessem suas embaixadas na Cidade Santa que as removessem.
Segundo o texto, o Conselho de Segurança da ONU decidiu que "aqueles Estados que estabeleceram missões diplomáticas em Jerusalém deverem retirá-las da Cidade Santa"..