A Polícia Federal acredita que "há indícios do cometimento de crime de desacato" pelo advogado Cristiano Caiado de Acioli, de 39 anos, que, em um voo que ia de São Paulo para Brasília no último dia 4 de dezembro, disse ao ministro Ricardo Lewandowski ter vergonha do Supremo Tribunal Federal e vergonha de ser brasileiro por causa da Corte.
O delegado da Polícia Federal Elias Milhomens de Araújo determinou a abertura de um inquérito policial para apurar a discussão no episódio do avião três dias depois do episódio, no dia 7 de dezembro. Na portaria que autorizou a abertura da investigação o delegado destacou a necessidade de "apurar possível ocorrência do tipo previsto no art. 331 do Código Penal Brasileiro (desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela)". A lei prevê detenção de seis meses a dois anos ou multa.
Parecer assinado pela delegada Juliana Rossi Sancovich, chefe do Núcleo de Correições da Corregedoria Regional da Polícia Federal do DF, destaca que as oitivas e os vídeos do episódio "revelam conduta particular que, em tese, é capaz de menoscabar o prestígio da função exercida pelo órgão máximo do Poder Judiciário o que, salvo melhor juízo, se adequa o tipo previsto no art 331 do Código Penal".
No documento, a delegada lembra que o crime de desacato corresponde à conduta capaz de ofender um funcionário público, não apenas no exercício da sua função, mas também em razão dela. Ela ressalta, no entanto, não ser incabível "aferição de juízo de culpabilidade" na primeira fase da persecução penal, mas defende a instauração de inquérito policial para a plena apuração do episódio.
O delegado Rodrigo da Silva Bittencourt, corregedor regional da PF, concordou com a avaliação da chefe do Núcleo de Correições e entendeu que há indícios da ocorrência do crime de desacato por considerar que Caiado tentou com sua conduta desrespeitar, desprestigiar o Supremo, na pessoa do ministro Ricardo Lewandowski.
Em depoimento ao delegado responsável pelo caso em 12 de dezembro, oito dias depois do episódio, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o advogado o chamou pelo nome "de maneira exaltada, com o celular em punho, e passou a bradar insultos à Suprema Corte do Brasil".
Segundo Lewandowski, "diante do elevado estado de exaltação do passageiro que bradava os insultos, preocupado com a segurança do voo e a tranquilidade dos demais passageiros" o ministro "solicitou à tripulação que acionasse a Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas".
O ministro disse "que até a chegada da Polícia Federal na aeronave o passageiro continuou agindo de maneira exaltada". Lewandowski contou ainda que "durante o taxiamento, antes da parada completa, ele (Caiado) se ergueu na aeroonave e passou a bradar os mesmos insultos direcionados à Corte e à pessoa do declarante (ministro)". O ato, de acordo com Lewandowski, "ocasionou um tumulto na aeronave, com manifestações favoráveis e contrárias à atitude dele."
Em despacho desta quinta-feira, 27, o delegado Elias Milhomens de Araújo determinou que seja autuado o extrato de passageiros encaminhado pela Gol, os termos de declaração dos passageiros e que seja encartada a mídia contendo o vídeo fornecido pelo deputado Floriano Pesaro.
Além de colher os depoimentos do advogado e do ministro, a Polícia Federal ouviu o agente que atendeu ao pedido do ministro ainda em SP, uma passageira que disse ter aplaudido o Cristiano e que o acompanhou na viatura até a Superintendência Regional do Distrito Federal, o deputado federal Floriano Pesaro (PSDB-SP), um servidor público federal, uma outra passageira e o então presidente da Infraero, Antônio Claret de Oliveira.
Claret, que renunciou ao cargo há duas semanas, estava sentado na mesma fileira em que estavam o ministro e o advogado. De acordo com ele, Caiado "falava em voz alta, e tom agressivo, sendo possível ouvir além da primeira fileira". O ex-presidente da Infraero disse ainda que "ficou preocupado com a passageira que se encontrava entre ele e o passageiro (Caiado) que se manifestava, pois ela ficou acuada". Claret completou dizendo que "chegou a pedir calma a ele em tom de voz baixo".
O caso
Após ouvir de Caiado que o Supremo é uma 'vergonha', o ministro Ricardo Lewandowski questionou se ele queria ser preso e pediu aos comissários da aeronave que partia de São Paulo com destino a Brasília que chamassem agentes da Polícia Federal. Ainda em São Paulo, Caiado gravou um vídeo em que diz ao ministro que tem vergonha da Corte e vergonha de ser brasileiro por causa do STF.
O episódio ocorreu no voo G3 1446, da Gol, que deixou o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, às 10h45, e aterrissou no Aeroporto Internacional de Brasília às 12h50, com 20 minutos de atraso.
No vídeo, o advogado diz: 'Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês'. O ministro responde: 'Vem cá, você quer ser preso? Chamem a Polícia Federal, por favor'.
Acioli foi conduzido à Superintendência Regional do Distrito Federal, onde prestou depoimento, tendo sido liberado em seguida. Antes de esclarecer os fatos à autoridade policial, o advogado ficou retido por aproximadamente uma hora na aeronave que o levava a Brasília sendo acompanhado de perto por um agente da Polícia Federal. Em conversa telefônica com o Estado ainda dentro do avião, o advogado perguntou ao agente que o acompanhava o motivo de estar sendo mantido dentro dele. "Ele disse que eu não posso saber por que estou sendo retido", disse à reportagem.
"Sou pessoa que tem retidão na vida, procuro não fazer mal aos outros, sou uma pessoa patriota, serena, amo o Direito e o País e acho que todo o cidadão tem direito de se expressar e sentir vergonha ou não pelo Supremo Tribunal Federal. Eu disse o que penso. A gente não vive ainda ditadura neste país. Acho que todas as pessoas têm direito de se expressar de forma respeitosa", disse por telefone à reportagem, ainda no avião.
"(Ainda em São Paulo) A Polícia Federal chegou e perguntou se eu iria causar problemas. Eu falei que eu tenho direito de criticar o Supremo.
Por meio de nota, o gabinete de Lewandowski informou que o ministro, ao 'presenciar um ato de injúria' à Corte, 'sentiu-se no dever funcional de proteger a instituição a que pertence, acionando a autoridade policial para que apurasse eventual prática de ato ilícito, nos termos da lei'.
"Eu estou sendo perseguido como inimigo do Estado tão somente porque fui digno de expor uma crítica, que acredito justa, feita de forma educada, tudo foi registrado, imagina se não fosse. Eu jamais ofenderia o Ministro Ricardo Lewandowski, a lei maior me assegura a liberdade de expressão , enquanto direito fundamental, o Estado jamais pode ser usado para exercer a censura disso. A própria Constituição veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Eu me dirigi respeitosamente, em tom baixo, sem me levantar, com deferência ao cargo do Ministro. Porque eu me dirijo assim independente do cargo e sim pelo próprio respeito às pessoas. Eu trato os lixeiros que passam na minha casa com o mesmo respeito que trato um Ministro. Respeito e acato a gente deve a todos, independentemente de status social e poder que a pessoa detém.
A liberdade de criticar os agentes políticos é um meio essencial de controle da própria democracia. Esse inquérito é estarrecedor, as gravações mostram de maneira inequívoca o perigo que toda a sociedade brasileira está correndo.
Acho que o assunto merece reflexão profunda de toda a sociedade e toda a imprensa livre, pois isso me parece puro uso da máquina do Estado para reprimir uma manifestação. Não interessa a vertente política, direita ou esquerda, todos tem o direito e o dever de expor os seus sentimentos.".