Brasília – Faz tempo que Brasília não vê tantas mudanças. Na sexta-feira, houve novo capítulo, com a posse dos novos deputados e senadores eleitos no ano passado. É uma renovação como não se vê desde a redemocratização, nos anos 1980, quando novas lideranças começaram a despontar no Congresso Nacional. O resultado disso ainda é uma incógnita, embora se note a tendência de facilidade para a aprovação de medidas liberais na economia, como privatizações e reformas, e conservadora nos costumes, incluindo a facilitação de porte de armas ou a redução do direito de aborto, que pode ocorrer hoje em casos de estupro ou de risco à saúde da mãe, por exemplo.
Na Câmara, há 251 novos deputados, mais do que os 244 que foram reeleitos. Outros 18 que entram não estão na legislatura que se encerra, mas tampouco são novatos: já tiveram mandato anteriormente. Um detalhe importante é que, dos reeleitos, 102 estavam no primeiro mandato, e vão começar o segundo agora. Estão, portanto, longe de ser parlamentares com muita experiência. Os deputados com mais de cinco mandatos se limitam a 53, pouco mais de 10% da casa.
O critério principal para a ganhar o apoio das urnas foi a rejeição ao sistema anterior. “Eles foram eleitos por ser contra tudo o que está aí, mas não necessariamente por ter propostas”, aponta Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap).
A consonância entre a sociedade e as decisões que o novo Congresso vier a aprovar é, ainda, algo desconhecido, na avaliação de Queiroz. “A eleição trouxe maior diversidade ao Parlamento, com mais negros, índios e mulheres. Por outro lado, alguns grupos ganharam representação maior da sociedade como um todo, incluindo lideranças evangélicas, militares, policiais, celebridades e parentes de políticos. Eles tendem a aprovar uma pauta mais conservadora”, explica. “Impedir que ocorram retrocessos de fato nos direitos dos brasileiros é algo que vai depender da imprensa, do Judiciário e de organismos internacionais”, defende.
Para Calmon, a polarização que se viu nas eleições estará presente no novo Congresso, o que poderá levar a confrontos na tribuna. O resultado prático, porém, ainda é difícil de avaliar. A dinâmica do Congresso vai depender, na avaliação de Queiroz, da atuação de três núcleos do governo: o econômico, o jurídico e o de costumes. “O que importa mais ao governo realmente é aprovar as medidas do primeiro. Os demais vão entrar para desviar a atenção da discussão das medidas econômicas, de cunho liberal fundamentalista”, argumenta.
A capacidade do governo de negociar com o Legislativo é algo que preocupa o filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Aparentemente, não existem pessoas suficientemente competentes nas negociações com o Congresso. Assim, repete-se à direita o que fez Dilma Rousseff, ao colocar Aloísio Mercadante e Gleisi Hoffmann para fazer isso”, argumenta.
Depois das eleições dos integrantes da Mesa, restam as definições de comando das comissões. Muitas delas entraram como moeda de troca para a escolha da Mesa. Na Câmara, a aposta é que a Comissão de Justiça e Cidadania fique com o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, cujos integrantes apoiaram Rodrigo Maia (DEM-RJ) na reeleição para a Presidência. Independentemente das composições que vierem a ser feitas, Romano alerta para o fato de que as negociações políticas vão ser difíceis, e dificilmente trarão as mudanças que a população espera, seja em termos de leis, seja em termos de negociação.