O governo Bolsonaro parece ter acertado ao optar por não aproveitar a proposta de reforma da Previdência do governo Temer, que já tramitava no Congresso. Foi grande a tentação de fazê-lo, pois isso economizaria tempo. Mas as primeiras análises do que ontem foi oficialmente entregue ao Legislativo justificam a decisão de “zerar” o projeto anterior. A proposta formulada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, é mais completa, mais ousada e, principalmente, mais justa.
Persegue a correção do desequilíbrio fiscal em que a administração pública se encontra mergulhada há pelo menos cinco anos e que tem levado o país ao crescimento acelerado de seu endividamento, hoje próximo de constrangedores 80% do Produto Interno Bruto (PIB).
Nesse propósito, a proposta vai além da de Temer, já que pretende obter economia de gastos de R$ 1,1 trilhão ao longo dos próximos 10 anos. Ou seja, uma poderosa redução de no mínimo R$ 110 bilhões por ano do rombo fiscal de cerca de R$ 140 bilhões. A proposta anterior era inicialmente de R$ 800 bilhões e tinha sido desidratada para R$ 400 bilhões.
Essa ousadia será certamente um dos pontos de resistência dos parlamentares. As pressões deverão buscar a ampliação do prazo de efetivação total de algumas das mudanças propostas e, ao mesmo tempo, a redução do “ganho” fiscal. Por isso mesmo, seria um erro estratégico começar por onde terminou a proposta Temer, que já não tinha gorduras para queimar.
Outro ponto de resistência virá também quanto aos novos prazos mínimos de contribuição para todos os segurados e nos de transição para os que já estão no sistema, mas que ainda terão de contar algum tempo para se aposentar. Isso ocorre porque a proposta tem como ponto central o estabelecimento de idades mínimas para o requerimento do benefício, em lugar da opção de contar apenas o tempo de contribuição.
Nesse sentido, parece haver apoio da maioria para as idades de 65 anos para homens e 62 para mulheres, como regra geral para a aposentadoria. Hoje, quase 80% dos brasileiros que se aposentam pelo INSS já o fazem por idade (homens aos 65 e mulheres aos 60), mas, para isso, o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos. Nesse caso, a aposentadoria terá valor abaixo do teto (hoje de R$ 5.862). Pela nova regra, esse prazo mínimo de contribuição aumenta para 20 anos. Para alcançar o teto do benefício, o prazo de contribuição passa dos atuais 35 para 40 anos.
Pode parecer um tempo muito longo, mas toda a reforma mira as expectativas de vida do brasileiro, que já alcançam a média de 75 anos e, felizmente, continuam aumentando. Mesmo diante dessa realidade demográfica, esses prazos deverão ser motivo de discussão.
A proposta é mais completa e mais justa do que a anterior porque não deixa ninguém de fora e também porque cobra mais de quem tem renda salarial mais alta e menos de quem ganha menos. Hoje, há três faixas de contribuição sobre o salário: 8%, 9% e 11%, para o regime do INSS. A nova regra estabelece quatro alíquotas que vão de 7,5% a 11,68% conforme a faixa salarial.
Essa mudança é ainda mais importante para o pessoal do regime próprio dos servidores públicos que, finalmente, terá tratamento destinado a corrigir, pelo menos em parte, distorções que tornam esses brasileiros muito privilegiados em relação à maioria da sociedade. E esse é, certamente, um aspecto que torna a reforma mais completa e mais justa.
Hoje, o funcionalismo de um modo geral contribui para a aposentadoria com uma alíquota de 11% sobre o teto da Previdência. A nova regra estabelece oito faixas, que vão de 7,5% até 16,79%, começando pelo salário mínimo e indo até os salários maiores do que R$ 39 mil (valor que deveria ser o teto do funcionalismo). Além disso, iguala a idade mínima de aposentadoria à dos trabalhadores do setor privado, com prazo de contribuição de pelo menos 25 anos, dos quais 10 anos no serviço público.
Policiais, bombeiros e professores também tiveram seus regimes de aposentaria alterados. As Forças Armadas terão uma lei em separado, mas é certo que terão seus prazos mínimos elevados de 30 para 35 anos de serviço antes de passar aos quadros de reserva. Desta vez, nem os políticos ficaram de fora. Deputados e senadores federais (os estaduais terão regras locais) também estão submetidos à regra da idade mínima (65/62). Os atuais legisladores pagarão um “pedágio” de 30% do tempo que falta para alcançar o benefício e os futuros eleitos seguirão a regra geral da Previdência, com extinção do regime privilegiado atual.
Apesar de dura e ousada, a reforma proposta não deverá resistir mais de 10 anos aos efeitos da evolução da demografia brasileira. Continuaremos aumentando o tempo de vida e reduzindo o número de nascimentos, como ocorre na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A reforma atual é, portanto, apenas um passo rumo ao ajuste do sistema previdenciário à realidade do país. Mas não temos mais o direito de não dar esse primeiro passo. Será negar aos nossos jovens e às nossas crianças uma aposentadoria decente e aos idosos de hoje o direito de receber o que conquistaram com o trabalho de muitos anos.
Discutir com responsabilidade os termos da proposta, sugerir aprimoramento de seus dispositivos é papel que cabe aos representantes do povo no Congresso Nacional. A sociedade espera que os parlamentares justifiquem o voto que receberam nas urnas e que façam a sua parte, a qual não inclui a sabotagem pura e simples do projeto. Ao trabalho, senhoras e senhores!