Brasília – Na última quarta-feira, em meio às diversas apresentações da reforma da Previdência, o chefe da Economia, Paulo Guedes, sentenciou para a rede estatal de televisão: “Naturalmente, existem 6, 7, 8 milhões de privilegiados, que estão sendo atingidos pela reforma. Têm mais força corporativa ou tiveram no passado, que dizem que (direitos) estão sendo ameaçados. Na verdade, os privilégios estão sob ameaça”. O ministro não deu nome aos bois, mas descreveu o lobby da forma mais crua. “(Eles) rondavam os parlamentos, ofereciam favores aos parlamentos.”
Leia Mais
Entenda projeto do governo para a reforma da PrevidênciaReforma da Previdência é recebida com aplausos e ataquesConfira o passo a passo da tramitação da reforma da Previdência no CongressoGoverno tenta evitar mudanças na reforma da PrevidênciaSem a proposta para militares, reforma da Previdência não anda no CongressoPor reforma da Previdência, Bolsonaro faz aceno à oposiçãoServidores miram a Justiça para questionar mudanças na PrevidênciaA dificuldade do Palácio do Planalto é o tamanho da reforma e a quantidade de trabalhadores atingidos pelas regras. Uma das categorias que começou a mobilização foi a dos integrantes da Polícia Federal, que votaram em peso no presidente Jair Bolsonaro. A ação foi iniciada nas redes sociais ainda na quarta-feira, minutos depois da apresentação do texto.
Um temor dos governistas é de que o prazo de tramitação se prolongue até o fim do ano. Na última sexta-feira, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que a Casa pode aprovar o projeto até julho, antes do recesso, caso passe pela Câmara até o mês de abril. É improvável. “O problema é que a premissa não parece verdadeira, pois a Câmara muito dificilmente concluirá a tramitação antes de julho”, disse o cientista político Thiago Vidal, gerente de análise e política da Prospectiva. O prazo trabalhado pela consultoria com base em propostas semelhantes é de que a discussão poderia se prolongar para depois do recesso na Câmara.
Militares
O lobby mais eficiente, antes mesmo do início oficial da tramitação – começa na instalação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na próxima terça-feira –, foi feito pelos militares, que ficaram de fora da proposta apresentada por Guedes. O governo garantiu que até 20 de março envia um projeto específico para o pessoal da caserna. Mas isso terá de ocorrer antes, caso o Planalto queira que o texto ande mais rápido no Congresso.
A tramitação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) é a mais complexa do Congresso, o que abre várias janelas de oportunidades para os insatisfeitos com o texto original do Planalto. Qualquer motivo pode se transformar na melhor desculpa para o deputado se recusar a votar a reforma da Previdência. Para efeito de comparação, a reforma do governo Lula, que previa três modificações na aposentadoria dos servidores, demorou quase nove meses de tramitação.
A CCJ não debate o mérito do texto, apenas a admissibilidade. Na CCJ, a proposta passa por três avaliações: constitucionalidade, legalidade e técnica legislativa (normas e padrões) do texto.
A expectativa é de que o lobby mais efetivo seja feito pelas associações de servidores com mais poder de fogo, como magistrados, procuradores, auditores, gestores governamentais e policiais federais. “Mas isso deverá levar outras categorias a buscar interferir no texto. Afinal, é um texto amplo, que deve receber várias emendas”, considerou Santos. Caso o texto seja aprovado na CCJ num prazo mínimo de cinco sessões, a Câmara é obrigada a criar comissão especial.
Jogo aberto
Na comissão especial, o jogo dos grupos de pressão se amplia, com a participação direta de setores empresariais, que tentarão preservar o texto original do Planalto ou mesmo melhorar as posições em contraponto ao lobby dos servidores. Nessa arena, há audiências públicas com interlocutores qualificados sugeridos pelos próprios lobistas. “Os mais fortes atores do lado do trabalhador estão nas associações de servidores de carreiras típicas, que vão buscar apoios nos gabinetes. Os sindicatos dos empregados da iniciativa privada perderam muito com a reforma trabalhista”, afirmou Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Ele acredita que a reforma deve ser aprovada a partir da necessidade de mudança nas regras. “Antes isso não parecia tão claro para os políticos, agora os governadores vão pressionar as bancadas estaduais.” É impossível prever quais os atores que mais devem avançar nas duas comissões.