Brasília – A vitória do DEM nas eleições da Câmara e do Senado foi apenas o começo do renascimento do partido. A legenda, agora, se movimenta para crescer no vácuo do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, dentro do Congresso e no próprio Palácio do Planalto. No Parlamento, o partido se articula para liderar as negociações com o governo em troca de cargos. No Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), acomoda desde o início do ano apadrinhados políticos de aliados na Esplanada dos Ministérios, segundo afirmam correligionários do presidente.
No Congresso, o discurso é de que o próprio Bolsonaro terá que pedir para o DEM auxiliar na articulação. Mas isso terá um preço. Em troca de apoio pela aprovação da reforma da Previdência, o governo está disposto a oferecer cargos de segundo escalão para baixo por meio do “banco de talentos”, mecanismo que tem por objetivo “profissionalizar” as indicações políticas. Inicialmente, a proposta foi ironizada por líderes e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Agora, maturada, abriu caminho para a barganha de postos mais altos.
Em reunião de líderes com Bolsonaro amanhã, o líder do DEM e do bloco vencedor das eleições na Câmara, Elmar Nascimento (BA), vai colocar na mesa de negociações a proposta de que aliados ocupem cargos de primeiro escalão. Ou seja, ministérios. “Se o governo está achando que vai nos tratar com banco de talentos e segundo escalão, está se enganando. Não vai dar. Se quer governar só com militares, é uma escolha dele. Mas, se não fizer reforma ministerial, terá dificuldades para compor base. Ninguém está atrás de marmita. Poder ninguém dá, tem que arrancar, e Elmar vai levar isso a ele”, afirma o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).
"Se o governo está achando que vai nos tratar com banco de talentos e segundo escalão, está se enganando. Não vai dar. Se quer governar só com militares, é uma escolha dele. Mas, se não fizer reforma ministerial, terá dificuldades para compor base"
. Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), deputado federal
Na Esplanada, o governo dispõe de 12 integrantes oriundos das Forças Armadas, excluindo o vice-presidente, Hamilton Mourão, ocupando postos de primeiro e segundo escalões. O estopim da revolta de aliados foi a substituição de Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral, pelo general Floriano Peixoto. “Supostamente, a maioria dos parlamentares não quer cargos. Mas cada um sabe o valor que tem seu mandato. Se o governo quer compor a base, então coloca os generais para articular. Parlamentar quer respeito, ser ouvido e atendido”, alerta Sóstenes.
O DEM se mantém na dianteira das articulações com o governo e conta com o respaldo de líderes do bloco, que inclui o PP, PSD, MDB, PR, PRB, PSDB, PTB, PSC, PMN e o próprio PSL. No curto prazo, lideranças não têm esperança de que o governo ceda postos de primeiro escalão. Mas avaliam que Bolsonaro pode mudar de ideia, à medida em que sinta dificuldades em tentar aprovar as reformas na robustez proposta pelas equipes técnicas. A retórica capitaneada pelo DEM é que há parlamentares e indicados com qualificação técnica e política para exercer cargos de alto escalão no governo.
Aliados entendem que o governo foi eleito com o discurso de combater o “toma lá da cá”, a acomodação de apadrinhados condicionada à troca de apoio na aprovação de reformas. Mas vão alertar o incômodo com o “banco de talentos”, visto como desmerecimento e discriminação com a categoria política. “Por uma base mais qualificada, é importante que o governo compatibilize qualificação política e técnica qualificada. Terá que avaliar bem o discurso para não transparecer discriminação e radicalização com a base. Há indicados e parlamentares ficha limpa qualificados que podem ocupar, inclusive, o primeiro escalão”, aconselha o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder da legenda no Senado.
Prestígio
No Planalto, Onyx é o responsável pelas articulações. O ministro, no entanto, é acusado de privilegiar o próprio partido nas interlocuções. Levantamento da agenda oficial do ministro aponta que, desde 2 de janeiro, recebeu em 12 oportunidades filiados do DEM. O PSL foi prestigiado em 10 ocasiões, excluindo as reuniões com o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). O MDB, o PSD e o PSDB aparecem divididos em terceiro com mais prestígio, com sete ocasiões na agenda. “As articulações com o DEM vão muito bem. Com outros partidos e a base do próprio Jair, não”, criticou um correligionário de Bolsonaro.
A avaliação de alguns integrantes na bancada do PSL é que Onyx usa o poder da caneta de articulador político para prestigiar aliados e se cacifar dentro do DEM para fazer concorrência à articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dentro do partido e na Câmara. A própria vitória de Alcolumbre no Senado é encarada como uma interferência do ministro, que trabalhou nos bastidores para o sucesso do correligionário.
Na Esplanada, Onyx é acusado de ter indicado o secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Julio Semeghini, ex-deputado federal pelo PSDB. Também teria reconduzido Robson Tuma, ex-deputado federal pelo DEM, para a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo. Outra indicação do ministro seria a de Felipe Sartori Sigollo, do PSDB, para ser secretário-executivo adjunto da Secretaria-Executiva do Ministério do Desenvolvimento Social. A assessoria da Casa Civil nega que o ministro tenha feito as indicações.
Disputa por espaço e poder entre caciques
As articulações do DEM no Congresso e no Planalto não são feitas a esmo. Mesmo as desavenças e disputas por espaço e poder entre o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, são avaliadas como uma concorrência positiva para o partido. Afinal, na prática, as eleições municipais começam em 2019.
Quanto mais Maia, Onyx e outras lideranças do partido no Congresso se cacifarem, melhor para o partido. Mais candidatos a prefeitos e vereadores vão procurá-los em busca de apoio em um partido fortalecido. É uma interlocução que acaba sendo uma via de mão dupla, uma vez que os caciques do DEM também precisarão ampliar as bases mirando as eleições de 2022, com suporte de lideranças locais para ocupar espaços e se articular.
Com exceção do PSL, partido que mais cresceu – na esteira da campanha do presidente Jair Bolsonaro –, o DEM foi a segunda legenda que mais se desenvolveu na Câmara, e com maior crescimento no Senado em relação às eleições de 2014. Além das vitórias de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a sigla elegeu dois governadores, Ronaldo Caiado, em Goiás, e Mauro Mendes, em Mato Grosso.
Vice-presidente do DEM, o deputado Efraim Filho (PB) confirma as pretensões de expansão da legenda a nível nacional e revela que ele mesmo tem atuado para melhorar a relação entre Onyx e Maia e trabalhar no crescimento do partido. A retomada da relação entre os dois está perto de acontecer e será boa para a legenda e o Brasil, avalia Efraim. “Conversei com eles, que sempre estiveram muito próximos. Houve estremecimento na relação recentemente, mas o partido tem procurado ser o bombeiro e reconstruir a ponte, com intermediação do Davi (Alcolumbre (DEM-AP).”
O cientista político e sociólogo Alessandro Farage é um pesquisador da história do DEM e compara os movimentos atuais orquestrados pelo partido ao auge da legenda, quando ainda se chamava PFL e era liderada por Antônio Carlos Magalhães (ACM). Agora, sob o comando de ACM Neto, presidente nacional do partido, ele observa que a sigla trabalha para recuperar o protagonismo.
Os movimentos atuais são semelhantes aos momentos áureos de ACM, quando presidiu o Senado por dois mandatos, analisa Farage. “O DEM se mostra um partido articulador, que negocia nos bastidores e toma posição. ACM era bem articulado desse jeito. Trabalhava para gerar prefeitos, governadores e apoiar aliados, criando mais bases para construir cargos mais altos”, compara.
Nas eleições municipais, em 2020, Farage prevê que o DEM usará a capilaridade política nos estados para lançar candidatos onde o PSL não conseguir, se articulando para usar o apoio oficial do presidente para isso. “Veremos uma disputa de quem aumenta a própria base”, pondera. Com capital político elevado, ele acredita que o partido poderia, em 2022, levantar candidatura própria ou vender esse mesmo capital a um bom preço para outro candidato. (RC)