O protagonismo dos militares no governo de Jair Bolsonaro está incomodando potenciais aliados. Para o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA), o presidente precisa melhorar muito sua relação com o Congresso, se não quiser ter problemas em votações consideradas prioritárias, como a reforma da Previdência. "O governo saiu da política de sindicato e passou para a república da caserna", afirmou o deputado, em uma referência ao número de militares no primeiro, segundo e terceiro escalões da máquina federal, em contraposição à quantidade de sindicalistas nas gestões petistas.
Além de comandar a bancada do DEM, Elmar é líder do "blocão", grupo que reúne 301 dos 513 deputados e ajudou a reconduzir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. Na avaliação do deputado, Bolsonaro precisa chamar a classe política para ser "sócia" de seu projeto. Nesta entrevista, ele negou, porém, que isso signifique um toma lá, dá cá. Confira os principais trechos:
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, disse que o DEM só não entrou na base aliada por uma questão burocrática e pediu que o partido ajude o presidente. O senhor concorda?
A agenda econômica converge com a nossa, mas um casamento só se faz quando se é pedido em casamento. Até agora não teve pedido do presidente.
É ruim Onyx Lorenzoni (Casa Civil) ser o único ministro civil a ocupar um posto no Palácio do Planalto?
É bom. Ele é do ramo, é político. Agora, acho que para a articulação política, o presidente tem de escolher um: seja o Onyx, seja o general Santos Cruz (Secretaria de Governo). Quando o presidente escolheu o (Luiz Henrique) Mandetta para o Ministério da Saúde, não foi pela capacidade política dele.
O que se diz é que um general foi nomeado para a Secretaria de Governo (Santos Cruz) porque nenhum parlamentar teria coragem de fazer pedidos impróprios a ele. Um general intimida?
Se um ministro aceitar que alguma proposição desse tipo seja feita, e não denunciar, está prevaricando. O presidente tem de partir do pressuposto de que nenhum aceita (pedidos impróprios), não é só o militar.
Quantas vezes o senhor já foi na Secretaria de Governo?
Nenhuma, eu não conheço o general. Eu não tenho nada contra o general, mas acho que ele não foi escolhido pelo governo para ser articulador político porque, se foi, começou muito mal. No lugar dele, a primeira coisa que eu teria feito era visitar a Câmara e cada uma das lideranças para me apresentar, me colocar à disposição e saber as demandas de cada partido.
O pacote do ministro Sérgio Moro vai ficar para depois?
O pacote do ministro Sérgio Moro é um pouco imprudente. Quem no Congresso não é a favor da lei do crime hediondo, de impedir progressão de pena para quem comete homicídio qualificado, como estuprador? Só que a nossa Constituição não permite, e isso o STF já decidiu reiteradas vezes.
A investigação da Receita Federal preocupa o Congresso?
Se fizeram isso com um ministro do Supremo Tribunal Federal e com a mulher do presidente do STF, o que se pode fazer com qualquer cidadão? É preciso muito cuidado. Aí é que se pressiona às vezes pela votação de projeto de abuso de autoridade. Em certos casos, é preciso ter. Não pode um grupo formado sair escolhendo a dedo, sem qualquer tipo de critério quem vai investigar.
Quais as insatisfações dos deputados com o Planalto?
O governo precisa de votos. Nos Estados, o presidente precisa compor o governo dele, em cargos de direção. Nessa composição ele vai ouvir quem: aliados ou adversários? Sou favorável a estabelecer critérios. O sujeito tem de ser ficha limpa e ter capacidade técnica. E isso tem de valer do quinto escalão ao primeiro. Com Michel Temer tínhamos o que há de melhor em termos de tratamento, a despeito de sua impopularidade.
Mas a ideia que passa para a população não é a de que o Congresso só vota se receber emendas e cargos?
Não, porque o Congresso vai votar. Só não sei se vai votar como o governo quer. Temos a obrigação de votar sobretudo a pauta econômica.
Onde o governo está errando?
É preciso mais diálogo. Se agora, na reforma da Previdência, tivesse sido feito um diálogo mais aprofundado com os líderes talvez se ganhasse tempo e se evitasse alguns equívocos que terminam contaminando a comunicação da reforma. O nosso mandato não vai servir para prejudicar o trabalhador rural mais pobre, quem precisa do Benefício de Prestação Continuada.
O DEM não vai votar enquanto esses itens não forem retirados?
Nós vamos apresentar emendas e vamos tirar isso da proposta. É o nosso papel aperfeiçoar o projeto. Até porque temos três ministros lá (Casa Civil, Saúde e Agricultura), nós queremos que o governo dê certo.
Ter três ministros não torna desconfortável um movimento contra a proposta do governo?
Em nenhum momento pensamos em compor com o governo em troca de cargos. O governo que dava cargos e outras 'coisitas' mais a gente sabe no que deu. Os nossos estão lá porque são da cota pessoal.
A aposentadoria rural e o BPC são bodes na sala?
Se são (bode), têm de sair muito rapidamente porque os mais pobres são usados como bois de piranha pelas corporações. São massa de manobra. O ganho que tem para o governo é muito pouco para poder defender esse tipo de coisa.
Para o que há consenso?
É consenso que a questão da idade mínima precisa ser verificada, que todas as classes precisam contribuir. A bancada está reclamando muito do não envio da Previdência dos militares. A maioria enxerga que não há razão para qualquer tipo de privilégio. Não vemos a questão do serviço militar como algo que imponha sacrifícios a ponto de ter tratamento diferenciado.
O vereador Carlos Bolsonaro usou as redes sociais para dizer que deputados não estão defendendo a reforma. Os filhos do presidente podem colocar as redes sociais contra o Congresso?
Eu não vejo autoridade no filho do presidente (Carlos) de estar dando pito sequer nos seus companheiros da Câmara Municipal, quanto mais em deputado federal. A gente vai votar não é porque o filho do presidente pediu. Vamos votar pelo Brasil. O Brasil precisa da aprovação dessa reforma.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..