Jornal Estado de Minas

Lava-Jato completa cinco anos e tem futuro ameaçado

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Brasília – Há cinco anos, o Posto da Torre, localizado no Setor Hoteleiro Sul, a pouco mais de um quilômetro da Esplanada dos Ministérios, foi palco do primeiro passo da maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Os agentes da Polícia Federal que chegaram ao local, em meio à investigação do caminho usado por doleiros do Paraná para lavar dinheiro, não poderiam imaginar o tamanho do esquema que estavam prestes a desvendar.

Nos meses e anos seguintes a esse primeiro ato, em 17 de março de 2014, as diligências comprometeriam a cúpula dos poderes Executivo e Legislativo e colocariam o Poder Judiciário, a Polícia Federal e a sociedade brasileira frente ao seu maior desafio na luta contra a corrupção. Agora, com meia década de existência, a operação se tornou alvo de uma crise política e jurídica.

A força-tarefa chega até aqui pedindo R$ 18,2 bilhões em indenizações e com seu futuro em jogo. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, causa forte impacto na operação. Boa parte dos crimes relacionados a nomes marcantes da política nacional – como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha – se refere ao suposto recebimento de propina para financiar campanha eleitoral.

Por decisão do Supremo, no entanto, esses crimes, popularmente chamados de caixa 2, serão enviados para a Justiça Eleitoral. A principal crítica é que as varas eleitorais não teriam estrutura para lidar com os casos complexos como os revelados pela operação. A Lava-Jato se tornou tão importante que a própria Justiça Federal se moldou às necessidades da operação. Em Curitiba, onde surgiu a investigação, a 13ª Vara Federal se consagrou como especializada nos crimes de colarinho branco.
Em Brasília, o caminho foi bem parecido. A 10ª Vara Federal passou a concentrar os processos da força-tarefa.

A autorização dada pelo STF para a mudança dos locais de julgamento dos casos foi alvo de críticas até mesmo do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, durante quatro anos, foi o rosto da operação entre os membros do Judiciário.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, a medida ameaça não só a Lava-Jato, mas a luta contra a corrupção como um todo. “Não é uma notícia ruim. É uma notícia péssima, não só para a Lava-Jato, mas para o combate ao crime”, definiu. “Ao longo de cinco anos, a Justiça Federal criou varas especializadas, fez contatos com autoridades internacionais e desenvolveu uma tecnologia de primeira linha no combate à corrupção. Mas, agora, os processos serão enviados para a Justiça Eleitoral, que não tem estrutura nem expertise para lidar com processos complexos. Pode até se aprimorar, mas vai levar anos.”

CRISE Personalidades marcantes, que arrastaram multidões ao longo das últimas campanhas e receberam centenas de milhares ou milhões de votos foram parar no banco dos réus.
A figura mais evidente é a do ex-presidente Lula, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e detido desde 7 de abril do ano passado. Outro caso marcante foi o do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, condenado a 24 anos de detenção por desvios na Caixa Econômica Federal. Ele está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba.

Mas os holofotes que se voltaram para as cenas de prisões, julgamentos e discursos acalorados de procuradores logo serviram para chamar a atenção para a crise que se instalou nos desdobramentos recentes da operação. Um acordo, firmado entre o Ministério Público Federal no Paraná e a Petrobras, que foi organizado pela força-tarefa da Lava-Jato, fez com que até mesmo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorresse ao STF para questioná-lo. Ao fazer isso, ela revoltou a própria classe e criou uma crise sem precedentes. Na PGR, os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, que atuavam nas áreas de perícia, renunciaram aos cargos. Esse pode ser apenas o começo de uma série de baixas na sede do Ministério Público federal (MPF).

O trecho mais polêmico do acordo prevê a criação de uma fundação para gerir R$ 1,2 bilhão de um total de R$ 2,5 bilhões que foram depositados pela estatal de petróleo em uma conta da 13ª Vara Federal de Curitiba. O acerto foi suspenso pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes na sexta-feira.
No entanto, a decisão do magistrado não acabou com as polêmicas criadas em torno da operação.

Após ver o STF ser alvo de uma série de críticas e até de acusações de golpe na Lava-Jato, feitas pelo procurador Diogo Castor, o presidente da corte, Dias Toffoli, determinou abertura de inquérito para apurar fake news, calúnias e ameaças contra o tribunal e seus membros. Mais uma vez, Raquel Dodge agiu e pediu ao Supremo que detalhe quais medidas foram tomadas.

DESAGRAVO Em ato de desagravo à Lava-Jato ontem, em Curitiba, o coordenador da força-tarefa da operação, Deltan Dallagnol ,criticou as decisões do Supremo sobre o envio de casos de caixa 2 ligados a outros crimes para a Justiça Eleitoral e a que suspendeu o acordo que permitiria a criação de uma fundação para gerir recursos acordados pela Petrobras com autoridades americanas. O ato, na sede do Ministério Público Federal (MPF) na capital parananense, foi convocado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “Nunca houve tanta pressão sobre a Lava-Jato como na última semana”, afirmou Dallagnol.

Segundo o procurador, diante da decisão de envio de determinados casos à Justiça Eleitoral é preciso reconhecer que o trabalho contra a corrupção não vai mais ser o mesmo. “Nós nos comprometemos a fazer de tudo e usaremos os melhores argumentos técnicos e jurídicos para defender o nosso trabalho e para continuar atuando do melhor modo possível contra a corrupção, mas nós precisamos reconhecer que muito saiu de nosso controle”, disse. Dallagnol também argumentou que o acordo para a criação do fundo, que receberia 80% dos R$ 2,5 bilhões acertados pela estatal com as autoridades americanas, foi feito de modo “plenamente regular”. Para o procurador, as decisões do STF são respeitadas e cumpridas, mas não estão isentas de críticas.

 

 

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