O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta quinta-feira, 21, a necessidade de autorização prévia para que o Ministério Público utilize informações bancárias e fiscais compartilhadas pela Receita Federal. O julgamento pode representar uma nova derrota a procuradores ao impor entraves a investigações como a Lava-Jato.
O tema foi incluído na pauta pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, no último dia 11, na esteira de uma forte reação do STF após vazamento de informações do Fisco sobre procedimentos abertos para analisar dados fiscais de ministros de tribunais superiores, como Gilmar Mendes, e familiares. O caso, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo, causou uma grave crise na Receita.
Integrantes do Supremo entendem que os auditores extrapolaram suas funções, entrando em seara criminal, que não é de competência do Fisco. Desde então, ministros vêm defendendo limitar os poderes de atuação de auditores.
O plenário do Supremo vai analisar um recurso do Ministério Público Federal contra a anulação de um processo pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, que considerou ilegal o compartilhamento de dados. A ação está sob sigilo.
O impacto do julgamento para os trabalhos do Ministério Público e da Receita, porém, ainda depende do alcance do que for decidido pelos ministros. Atualmente, nos casos em que o Fisco encontra algum indício de crime como corrupção ou lavagem de dinheiro, as informações são encaminhadas para o MP ou a Polícia Federal investigarem, sem necessidade de autorização judicial. O envio é uma obrigação do auditor fiscal, prevista em lei.
O que está em discussão agora é quando e qual o nível de detalhamento das informações que a Receita deve encaminhar sem aval prévio de um juiz.
Nesta quarta-feira, 20, ao comentar o processo, Gilmar afirmou que o acesso a informações por auditores da Receita virou um "jogo sem quartel". "A pergunta (que os auditores fazem) é: É necessário? Estou obrigado a passar? Em que casos? Preciso de ordem judicial ou não?", disse.
Uma das possibilidades é a Corte entender, por exemplo, que o Fisco pode enviar as informações para o Ministério Público, mas que os dados só poderão ser usados no processo após a autorização judicial. Procuradores ouvidos pelo jornal afirmam que, caso esta tese prevaleça, as investigações poderão durar muito mais tempo.
Por outro lado, uma decisão vista como extremamente prejudicial às apurações seria o Supremo condicionar todo o envio de informações ao MP à uma chancela prévia de um juiz. Este entendimento inviabilizaria investigações que atualmente se dão por meio de parceria entre os órgãos, como é o caso das operações Lava Jato e Greenfield. A Receita hoje integra as forças-tarefa destas investigações com o objetivo de agilizar a troca de informações.
"Esse compartilhamento de dados bancários da Receita para o MP é ferramenta importantíssima para a produção de provas em investigações do crime organizado e combate à corrupção", disse o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Kleber Cabral.
Discussão
Toffoli, além de responsável pela pauta, é relator do processo. Em fevereiro, durante a repercussão dos vazamentos na Receita, ele já havia indicado que gostaria de ver o tema na pauta do Supremo.
"Qual seria o nível de detalhamento dessas explorações bancárias e fiscais cometidas pelo Fisco no seu exercício legítimo de fiscalizar? Até que ponto essa repercussão geral discute o detalhamento que pode ser compartilhado, sem autorização judicial, com o Ministério Público e com outras instituições de controle", afirmou Toffoli durante o evento de posse do Sindifisco. Na ocasião, ele lembrou de processos sob sua relatoria que questionavam a atuação da Receita, e citou a necessidade de se delimitar como o Fisco pode utilizar as informações bancárias.
Segundo Toffoli, ao permitir, em 2016, ao Fisco ter acesso a dados bancários sem autorização judicial, a Corte "apenas tangenciou" a possibilidade de compartilhamento de informações da Receita com finalidade penal.
O julgamento tem potencial de representar um novo conflito com o Ministério Público uma semana após o STF impor uma derrota aos procuradores da República ao decidir que a Justiça Eleitoral é quem deve julgar crimes como corrupção quando há conexão com delito eleitoral. Além disso, integrantes do órgão viraram alvo de um inquérito aberto por Toffoli para apurar notícias falsas e ataques ao STF, que também inclui auditores da Receita envolvidos nos casos de vazamento.