A proposta de emenda à Constituição (PEC) da Reforma da Previdência, apresentada pelo governo Bolsonaro, está longe de ser unanimidade na Câmara dos Deputados. Alguns pontos são contestados pela oposição, centrão e até por parte da base do governo. Entre os pontos mais criticados, está a alteração dos critérios para recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – benefício remunerado garantido a idosos e deficientes que se encaixam em critérios de miserabilidade. Em todo o Brasil, mais de 4,6 milhões de pessoas têm direito a receber a quantia. Em Minas Gerais, o número é superior a 460 mil, sendo 268.142 deficientes e 193.589 idosos.
Atualmente, têm direito a receber o BPC idosos com mais de 65 anos ou deficientes brasileiros, além de portugueses com comprovação de residência fixa no Brasil. Para o recebimento, é necessário atestar renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo atual; cerca de R$ 250 por membro.Com a proposta do governo federal, idosos a partir dos 60 anos de idade também teriam direito a receber o benefício. No entanto, a proposta formulada pelo Ministério da Economia desvincula o BPC do salário mínimo. Caso o projeto seja aprovado pelo Congresso, idosos que comprovem estar em condição de miserabilidade receberão R$ 400, por mês, até completarem 70 anos. Só a partir dessa idade eles passariam a receber um salário mínimo.
Conforme a proposta, essas idades seriam ajustadas quando houvesse aumento na expectativa de vida da população brasileira. Atualmente, a expectativa do brasileiro é de 76 anos; em Minas, o índice é de 77. Em estados do Nordeste, como Maranhão e Piauí, a esperança de vida ao nascer não passa de 71 anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Essa realidade levou os governadores do Nordeste, a maioria de partidos de oposição, a se posicionar conta a proposta do governo. Para os governadores, que se reuniram há cerca de 15 dias em São Luís, no Maranhão, a reforma penaliza fortemente a população mais pobre. No encontro, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, afirmou que a reforma não pode fazer com que “a sociedade tenha dois brasis: um Brasil de quem consegue se aposentar e um que não consegue se aposentar”.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, ressaltou que a Previdência não pode fazer com que a população tenha dois brasis: “um Brasil de quem consegue se aposentar e um que não consegue se aposentar”. Já o governador da Paraíba, João Azevedo, afirmou que a redução do valor do BFC é um dos pontos inegociáveis. Em carta assinada por eles após o encontro há críticas também ao sistema de capitalização proposto para substituir o atual regime de aposentadorias. “Consideramos ser imprescindível retirar da proposta o chamado regime de capitalização, pois isso pode inclusive piorar as contas do sistema vigente, além de ser socialmente injusto com os que têm menor capacidade contributiva para os fundos privados”, diz a carta.
Deficientes afetados
Embora o projeto não altere a quantia a ser recebida pelos deficientes, ele também é alvo de críticas de responsáveis por pessoas com deficiência. Isso porque a PEC acrescenta um ponto nos critérios de miserabilidade. Caso o ponto seja aprovado pelo Congresso, só teria direito a receber o benefício aquelas pessoas com patrimônio familiar inferior a R$ 98 mil. Atualmente, não há nenhum valor máximo para patrimônio familiar.
“Essa regra afeta muito (quem recebe o BPC) porque vai impedir muitas famílias de receber o benefício. Se a família tem uma casa ou um carro isso não quer dizer que tem condição financeira boa. Sem o benefício, certamente será impossível manter a casa e o carro da pessoa”, contesta Kethlen Silva de Castro, coordenadora em Minas Gerais do Movimento Nacional Eu Empurro Essa Causa.
Kethlen ainda lembra que, na maioria dos casos em que o patrimônio excede os R$ 98 mil, o valor foi adquirido antes do nascimento do filho com deficiência. “A realidade atual já era difícil, se a reforma for aprovada vai distanciar ainda mais da realidade. Isso não pode ser aceito, é algo conquistado antes, quando a mãe tinha possibilidade de trabalho”, finaliza.
Já em relação aos idosos que estão na faixa etária que passará a receber R$ 400 em vez de um salário mínimo, a coordenadora do movimento lembra que boa parte dos medicamentos que alguns idosos usam continuamente são custeados pela renda recebida por meio do BPC. “Cadeira de rodas, muletas, óculos, andador e muitos outros equipamentos nem sempre são entregues pelo Sistema Único de Saúde (SUS); com o benefício, todos podem apressar os custos de um equipamento desses. Agora, eles (idosos) estão para perder esse direito devido ao valor reduzido”.
De acordo com cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, as mudanças sugeridas pelo governo no BPC podem gerar economia de até R$ 28,7 bilhões em 10 anos. A previsão é de que, nos primeiros quatro anos, a despesa com o benefício geraria um déficit, visto que idosos entre 60 e 64 anos passariam a receber R$ 400. No entanto, estima-se que, a partir do quinto ano, as alterações gerem economia para a União, uma vez que a faixa entre 65 e 69 anos, que hoje recebe um salário mínimo, passará a também receber R$ 400.
Críticas no Congresso
Desde que a reforma da previdência foi apresentada à Câmara Federal, em 20 de fevereiro, deputados de diversos partidos criticam as alterações propostas no BPC. A contestação vem do próprio presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), que acredita que a mudança pode afetar a comunicação do governo com a população.“Se do ponto de vista fiscal não tiver nenhum tipo de impacto, a melhor discussão é a não discussão desse tema. Quando bota o BPC, parece que é uma sinalização de que vai atingir os mais simples, o que não é verdade, até porque os mais simples já estão atingidos pela Previdência atual. Eles só se aposentam quando atingem 65 anos”, afirmou Maia, em 18 de março, ao sair de um seminário que discutia a reforma da Previdência, no Rio de Janeiro.
A oposição, naturalmente, é outra que critica o ponto proposto pela equipe econômica do governo de Bolsonaro. Além dos partidos do campo da esquerda na câmara, o PSDB também fechou questão contra o ponto que altera as regras para obter o benefício. Ao todo, PSDB e a oposição têm 16 deputados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a reforma será analisada primeiramente na Câmara. Alguns integrantes do centrão também criticaram a proposta. Ao todo, a CCJ é formada por 66 deputados.
*Estagiário sob supervisão de Marcílio de Moraes