A Receita Federal identificou que os dois servidores que acessaram dados do presidente Jair Bolsonaro e de seus familiares fizeram várias consultas ao longo de 2018 e em períodos que coincidem com datas importantes do calendário eleitoral, disse ontem ao Estadão/Broadcast o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. "Está comprovado e está nas mãos da polícia. Nem o secretário da Receita pode entrar e fuçar o que quiser."
De acordo com o secretário, dois acessos feitos no final de outubro não foram justificados e estão sob investigação.
Foram levantados dados de irmãos e tios do presidente, além do próprio Bolsonaro. Em depoimento à Polícia Federal, um dos servidores investigados, Odilon Alves Filho, disse que fez apenas um acesso e consultou só dados cadastrais, por curiosidade. Ele é irmão da deputada Norma Ayub (DEM-SP).
A Receita abriu sindicância depois de a corregedoria ter sido informada que dados confidenciais do presidente e de vários CPFs relacionados à família dele estavam sendo acessados - os sistemas do órgão são monitorados e cada consulta é registrada. "Pedimos à PF que investigue se há ligações externas, se isso faz parte de um plano maior, se tem gente por trás", afirmou o secretário.
Cintra avisou Bolsonaro da sindicância no fim de janeiro e disse que o presidente pediu para dar andamento à investigação "como qualquer outro caso". O secretário teve vários encontros com Bolsonaro nos últimos meses.
Os acessos aos dados foram feitos em datas próximas a convenções de partidos, no início do segundo turno e logo depois do resultado das eleições, entre outros períodos. A PF foi acionada no fim de janeiro e, segundo apurou o Estado, está agora investigando a dimensão dos acessos e que dados os servidores, ambos administrativos, conseguiram levantar. Na quinta-feira (4), os policiais apreenderam computadores e ouviram os servidores. A operação está em andamento e o sigilo foi redobrado.
Sindicância
Foi aberto um processo disciplinar dentro do Fisco, que pode levar à suspensão ou exoneração dos investigados. Além de Alves, que trabalha em uma delegacia da Receita em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, é investigado também um segundo servidor vinculado à delegacia da Receita Federal de Campinas, que acessou dados em Sumaré, ambas cidades do interior de São Paulo.
Apesar de não ser presidente na época, a consulta a dados de Bolsonaro já não poderia ser feita por servidores sem justificativa, já que, como deputado federal, ele era uma "pessoa politicamente exposta". Políticos e familiares fazem parte dessa lista em que há um controle ainda maior no sistema da Receita e, quando os dados são consultados, é gerado um alerta para o superior imediato do servidor.
De acordo com o advogado Yamato Ayub Alves, irmão de Odilon, ele admitiu ter feito um acesso a dados cadastrais do presidente, no dia 30 de outubro - dois dias depois do segundo turno das eleições presidenciais e quando já se sabia que Bolsonaro havia sido eleito presidente.
Ayub disse que o irmão acessou apenas dados do chamado sistema via, que permite consulta a nome, CPF e endereço, e não entrou em um segundo sistema da Receita que tem dados fiscais, como a declaração de Imposto de Renda do contribuinte. "Ele fez isso de forma ingênua, sem maldade. Não houve vazamento nem quebra de sigilo."
Segundo a deputada Norma Ayub, "Odilon é Bolsonaro doente". Ela afirmou que também fez campanha para ele ano passado.