Foram 97 dias de polêmicas e recuos até que a crise no Ministério da Educação atingisse de vez o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, substituído ontem pelo economista Abraham Weintraub. Ex-aluno de Olavo de Carvalho – guru de Jair Bolsonaro (PSL) –, o novo ministro promete uma gestão “técnica” com a missão de cumprir o programa de governo de forma “serena, tranquila e eficiente”.
Coube a Bolsonaro anunciar pelo Twitter a indicação do professor universitário com experiência em gestão, mestrado em administração e MBA executivo. “Aproveito para agradecer ao professor Velez pelos serviços prestados”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais. Pela manhã, ele havia se reunido com o agora ex-ministro da Educação no Palácio do Planalto.
Antes de chegar ao ministério, que tem um dos maiores orçamentos do governo federal, Abraham Weintraub ocupou a Secretaria-Executiva da Casa Civil – segundo cargo mais importante da pasta comandada por Onyx Lorenzoni. Weintraub também participou da elaboração do plano de governo do então candidato a presidente, incluindo pontos para a educação. Integrante da equipe de transição entre os governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro, ele debateu a reforma da Previdência. “Sinto-me preparado para o cargo", disse
Aluno inscrito do curso de Olavo de Carvalho, Weintraub reafirmou ter grande admiração pelo professor, o que não significa necessariamente um alinhamento automático. “Ele tem ideias muito boas, mas não sigo ipsis litteris tudo o que ele fala. Não é porque gosto de música clássica que não escuto rock and roll de vez em quando", disse. Nos bastidores, a indicação do economista e professor é vista como tentativa de apaziguar os ânimos entre os militares, seguidores de Olavo de Carvalho e técnicos da pasta e finalmente fazer o Ministério da Educação funcionar.
A crise na pasta remonta ao segundo dia da gestão Bolsonaro. De lá para cá, foram vários episódios que expuseram a inércia no setor. Desde então, foram 14 demissões no alto escalão do MEC, incluindo o secretário-executivo, além da publicação de documentos oficiais, logo anulados, e frases polêmicas de Vélez, como a declaração de que o brasileiro em viagem é um canibal. “Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo”. As trapalhadas do ministro o levaram a perder o apoio de seu padrinho, Olavo de Carvalho, a quem chamou de “traiçoeiro”.
Na sexta-feira passada, durante café da manhã com jornalistas, Bolsonaro começou uma “fritura pública” do aliado. Afirmou que o MEC “não estava dando certo”. “É uma pessoa bacana, honesta, mas está faltando gestão, que é uma coisa importantíssima. Vamos tirar a aliança da mão esquerda e pôr na mão direita ou na gaveta”, afirmou na ocasião. Edição extra do Diário Oficial da União, publicada ontem, trouxe a nomeação de Weintraub e a exoneração de Ricardo Vélez Rodríguez.
Repercussão A indicação de mais um nome estranho à educação foi vista com ressalvas pelo movimento Todos pela Educação, o principal grupo ligado ao setor. “Esse é um perfil que se assemelha ao anterior, que legou ao MEC um cenário de completa inoperância. Mesmo entre pessoas do próprio governo parece haver consenso de que o perfil do novo ministro precisava ser bastante diferente, de alguém com bastante experiência na área”, afirmou Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do grupo.
Ele observou, no entanto, a proximidade do novo ministro a Onyx Lorenzoni, homem forte do governo Bolsonaro. “Prioridade política para a educação é sempre importante. A pergunta é, de que forma isso será usado?”. Olavo Nogueira afirmou que, embora desconhecido do setor, é preciso dar o “benefício da dúvida” para que ele apresente suas ideias. “É um desafio adicional do novo ministro, que é não só montar uma equipe que tenha conhecimetnos que ele não tem, mas fazer a virada de maneira muito rápida. A janela de oportunidade de início de governo para mudanças mais estruturantes está sendo desperdiçada”, lamentou.
Durante reunião com empresários e conselheiros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente da entidade, Paulo Skaf, disse não conhecer o novo ministro, mas que a entidade está “de portas abertas” para ele. A informação da escolha de Weintraub para o Ministério da Educação circulou durante o evento. (Com agências)
CRISE SOBRE CRISE
A gestão de Ricardo Vélez no Ministério da Educação foi marcada por controvérsias e paralisia no setor. Relembre as principais polêmicas em quase 100 dias de governo:
» No segundo dia de governo, o MEC publica edital permitindo a compra de material didático com erros e propagandas. Texto é anulado uma semana depois e 11 pessoas são demitidas, incluindo o chefe de gabinete do FNDE, que assinou o edital.
» Murilo Rezende é nomeado diretor de avaliação de educação básica do Inep – ato tornado nulo pelo ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
» Em entrevista à revista Veja, Ricardo Vélez afirma que o brasileiro é como um “canibal” quando está viajando. “ Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo”, disse. Em documento ao STF, dias depois, classificou sua fala como “infeliz”.
» Vélez anunciou que MEC iria impulsionar o Projeto Rondon e retomar o ensino de moral e cívica nas escolas e universidades. Também prometeu rever a formação dos professores do ensino básico.
» MEC envia comunicado às escolas para que os professores filmassem os alunos cantando o Hino Nacional. Diante da polêmica em torno da necessidade de autorização dos pais para a divulgação de imagens dos filhos, o ministro admite que errou.
» Em dois dias, ocupantes de 10 cargos de alto escalão do MEC são exonerados ou pedem demissão.
» Iolene Dias fica apenas oito dias como secretária-executiva do MEC, o segundo cargo mais importante da pasta.
» Inep cria comissão para avaliar questões do Enem e verificar se são “pertinentes com a realidade social”. No ano passado, Jair Bolsonaro criticou uma questão de linguagens que falava sobre o pajubá, um conjunto de expressões associadas aos gays e travestis. Na ocasião, ele disse que tomaria conhecimento do teor antes da aplicação da prova.
» Ocupantes de mais três cargos do MEC são exonerados, entre eles, o ministro Ricardo Vélez.