O Congresso gastou nos últimos dez anos R$ 2,8 bilhões para ressarcir deputados e senadores por despesas como alimentação, combustível, fretamento de aeronaves, hospedagem e passagem aérea. Até hoje sem mecanismo para checar se o serviço descrito na nota fiscal foi de fato prestado, o chamado cotão parlamentar da Câmara completa dez anos de sua criação no mês de maio.
Leia Mais
Prefeitos de MG miram Congresso em marcha por mais verbas em BrasíliaCongresso começará a analisar primeiras MPs de Bolsonaro nesta semanaO esquema, que perdurou de 2007 a 2009, resultou no oferecimento de denúncia contra 443 ex-deputados. Além desses, outros nove inquéritos civis foram abertos por uso irregular da cota ao longo dos dez últimos anos. Nenhum caso foi punido até hoje pelo Congresso ou pela Justiça.
Levantamento feito pela reportagem revela que até hoje foram reembolsados R$ 2,5 bilhões em despesas de deputados. No Senado, o cotão foi criado em 2011 pelo então senador José Sarney (MDB). O acumulado desde 2009 mostra que os senadores geraram despesas no valor de R$ 300 milhões.
As passagens aéreas seguem no topo do ranking dos pedidos de ressarcimento atendidos pelos deputados.
O segundo maior gasto na Câmara é com a divulgação da atividade dos deputados, que custou R$ 410 milhões. Os deputados ainda pediram e receberam ressarcimento de R$ 180 milhões para cobrir despesas com consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos e outros R$ 170 milhões para combustível.
No Senado, as categorias de gastos não são individualizadas. É possível saber que foram reembolsados R$ 61 milhões para despesas com locomoção, hospedagem, alimentação, combustível e lubrificante.
Bolso
Como se trata de reembolso, na maioria dos casos, os congressistas fazem o pagamento do próprio bolso e recebem o dinheiro de volta mediante apresentação da nota fiscal.
Em algumas despesas há um teto. Os deputados podem pedir reembolso mensal de R$ 12 mil para aluguel de carro e R$ 6 mil para combustível, por exemplo.
Uma vez autorizados, os pagamentos não passam por uma análise para comprovar a prestação do serviço. Considera-se que há presunção de boa-fé dos congressistas. Eventuais irregularidades que vierem a público são de responsabilidade do próprio parlamentar.
O confronto de notas costuma gerar dúvidas sobre as prestações de serviços. Entre 2012 e 2013, os então deputados Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) e Lúcio Vieira Lima (MDB-BA) alugaram carros de uma empresa que não tinha nenhum veículo. Os órgãos de controle concluíram que não era possível comprovar a denúncia passados cinco anos.
Em relatório inédito do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pelo Estado, auditores apontam que a Câmara e o Senado em geral "isentam-se de quaisquer responsabilidades pelo conteúdo, licitude ou legitimidade dos gastos", e a realidade é que as cotas podem ser usadas de maneira ilícita.
O diretor-geral da Câmara dos Deputados, Sérgio Sampaio, disse que é inviável verificar serviços pagos pelos 513 deputados em milhares de municípios. Ele afirmou que a Câmara trabalha para tornar automático o armazenamento digital de notas. A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, afirmou que a área administrativa não tem competência para realizar a fiscalização após realizado o reembolso das cotas. "A maior fiscalização é o cidadão." .