Na primeira entrevista concedida à imprensa desde que foi preso em Curitiba, há pouco mais de um ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o país está sendo governado por um “bando de malucos” e convocou a elite brasileira a fazer uma "autocrítica" sobre o resultado das eleições.
Depois de uma batalha judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), os jornais Folha de S. Paulo e El País tiveram autorização para entrevistar o ex-presidente em uma sala na sede da Polícia Federal, em Curitiba, na manhã desta sexta-feira.
De acordo com informações da Folha de S. Paulo, as equipes de jornalistas tiveram duas horas e dez minutos para conversar com o petista, a uma distância de quatro metros – justificada como uma norma de segurança padrão.
Em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro, Lula afirmou que "ou ele constrói um partido sólido, ou não perdura". E convocou a elite brasileira a uma autocrítica após a eleição do presidente.
"Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso", afirmou.
Lula comentou ainda as denúncias de ligação de pessoas da família Bolsonaro com milicianos no Rio de Janeiro. “Imagine se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha família?", questionou, referindo-se ao fato de o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, ter empregado familiares de um miliciano foragido da Justiça em seu gabinete quando era deputado estadual pelo Rio.
'Conje'
Questionado sobre a possibilidade de ficar preso ainda por vários anos, Lula afirmou que “não tem problema” e completou que dorme com a “consciência tranquila”, ao contrário do Deltran Dallagnol (procurador do Ministério Público, um dos coordenadores da Lava-Jato) e do ex-juiz Sérgio Moro (atualmente ministro da Justiça).
Lula contou ainda que, ao ter a prisão decretada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), logo após a condenação em segunda instância, houve quem defendeu que ele fugisse do país ou se abrigasse em alguma embaixada. Mas ele decidiu se entregar, depois de passar horas na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no ABC Paulista.
“Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, demascarar o Dellagnol e a sua turma, e desmascarar aqueles que me condenaram, que eu ficarei preso 100 anos, mas eu não trocarei minha liberdade pela minha dignidade. Eu quero provar a farsa montada aqui”, afirmou.
O ex-presidente disse ainda que não guarda “mágoa” ou “ódio” de quem o condenou, até porque espera viver até os 120 anos para provar sua “inocência” e a “farsa” montada pelo Ministério Público e Judiciário. “Na minha idade, quando a gente fica com ódio, a gente morre antes”.
Sobre o magistrado que o condenou a 12 anos e um mês de prisão no caso do Triplex do Guarujá, Lula não poupou ironias. "Sempre riram de mim porque eu falava 'menas'. Agora, o Moro falar 'conje' é uma vergonha", afirmou. Ele referia-se a participação de Moro em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em que pronunciou incorretamente a palavra “cônjuge” por duas vezes.
Militares
Em relação aos militares, disse que quer conversar para saber o por que do “ódio ao PT”, pois seu governo teria recuperado o orçamento das Forças Armadas.
Ao comentar sobre a morte do neto, Pedro Arthur, aos sete anos, há pouco mais de um mês, Lula chorou. "Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que ele tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos, poderia morrer e deixar o meu neto viver".
Nesse momento, segundo o jornal, o ex-presidente aproveitou para a agradecer o comportamento do vice-presidente, Hamilton Mourão, no episódio. O vice defendeu que a Justiça autorizasse a ida de Lula ao velório, ao contrário de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, que usou o Twitter para dizer que o petista queria se “vitimar” com a morte do neto.
A união dos partidos de esquerda, defendida desde as articulações para a campanha eleitoral do ano passado, também foi tema da entrevista.
Lula disse ainda que não ficou chateado com as declarações do senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão de Ciro Gomes, que durante um encontro do PT chamou um filiado de “babaca” e lembrou que Lula está preso. “Isso é uma verdade. Só não precisava chamar os outros de babaca", disse, rindo.