"Se eu não posso ser bem recebido em Nova York, seremos no Texas." Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro anunciou a deputados federais, nesta semana, que viajaria a Dallas para receber uma homenagem agendada anteriormente para ocorrer em Nova York - a participação ali foi cancelada após críticas feitas a Bolsonaro pelo prefeito da cidade, Bill de Blasio. A mudança de endereço, no entanto, não será acompanhada de elogios do prefeito local. Em manifestação enviada à reportagen, por meio de nota, Mike Rawlings afirmou que "discorda fortemente de algumas das posições declaradas do presidente Bolsonaro".
A diferença é que Rawlings - que, assim como de Blasio, é do Democrata, partido de oposição ao governo de Donald Trump - não pretende atuar contra a visita de Bolsonaro à cidade que governa. "Eu tenho um grande respeito pelo povo brasileiro e não vou me envolver em uma disputa política pública com nenhum líder democraticamente eleito", declarou.
O jantar de gala para premiar a personalidade do ano promovido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos continua marcado para acontecer em Nova York, no dia 14, antes da chegada de Bolsonaro, mas ainda tendo o presidente brasileiro como o homenageado principal. Não há informação, até agora, se representantes da entidade terão agenda com o presidente brasileiro em Dallas para simbolizar a deferência ao brasileiro. Até o momento, as informações divulgadas sobre a agenda oficial não incluem compromissos relacionados ao prêmio.
Bolsonaro passará apenas dois dias em Dallas - dias 15 e 16 de maio. Não está prevista a presença de Rawlings em nenhum dos eventos dos quais o presidente brasileiro deve participar. Na quinta-feira, 16, Bolsonaro será recebido no World Affairs Councils of Dallas em um encontro com lideranças empresariais e integrantes da sociedade civil.
Em nota, o CEO da instituição, Jim Falk, afirmou que o evento tem por objetivo oferecer aos membros do grupo a possibilidade de ouvir pessoas em posição chave no mundo. "Estamos ansiosos para ouvir o presidente do maior país do hemisfério sul e o quinto maior país do mundo", afirmou.
O presidente do conselho da instituição, Jorge Baldor, ressaltou que a instituição não endossa as posições dos palestrantes. "Nosso objetivo é simplesmente fornecer aos nossos membros oportunidades de ouvir diretamente e se envolver com líderes globais", afirmou Baldor, também em nota. Segundo ele, a instituição foi consultada sobre a possibilidade de receber Bolsonaro e concordou.
Apesar de o Estado do Texas ser conservador e de tendência republicana, a região de Dallas é considerada um dos pontos azuis (referência à cor dos democratas) no oceano vermelho texano. Têm as mesmas características as cidades de Houston, Austin, El Paso, Santo Antonio, além da parte sul do Estado - locais onde Hillary Clinton teve mais votos que Trump, na eleição que disputaram em 2016. A cidade de Houston, onde o Itamaraty também cogitou organizar a visita presidencial, elegeu a primeira homossexual para comandar uma cidade grande americana.
Viagem foi articulada às pressas
A viagem ao Texas foi articulada pelo Itamaraty às pressas, depois que o presidente decidiu não ir a Nova York, onde receberia o prêmio de personalidade do ano da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. A homenagem a Bolsonaro passou a ser objeto de boicote e protestos de ativistas ligados à causa ambiental e aos direitos LGBTQ. Primeiro, a Câmara teve dificuldade em achar um lugar que aceitasse sediar o jantar de gala. Depois, ao menos três empresas decidiram deixar de patrocinar a premiação.
No twitter, Bill de Blasio afirmou que Bolsonaro era um ser humano "perigoso" devido ao "seu racismo e homofobia evidentes" e por ser a pessoa com "maior poder de impacto sobre o que acontecerá na Amazônia daqui para frente". A parlamentares no Brasil, Bolsonaro afirmou que o prefeito nova-iorquino se comportou como "um radical".
Diante das críticas, o governo brasileiro ponderou que o Texas seria menos hostil a Bolsonaro e que teria um aliado local: o senador republicano Ted Cruz, que já se encontrou com Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em Washington, ano passado.
Desde a campanha eleitoral, posições de Bolsonaro sobre direitos humanos, questões ambientais, raça e orientação sexual têm destaque na imprensa internacional. Ao anunciar o cancelamento da viagem a Nova York, a rede de televisão CNN afirmou que "o político de extrema direita" é conhecido por posições contra o meio ambiente e contra políticas de igualdade. O jornal The New York Times chamou atenção para posições de Bolsonaro sobre demarcação de terras indígenas e questões ambientais, além de mencionar que o presidente brasileiro tem um histórico de declarações "sexistas, racistas e homofóbicas".
Na primeira passagem pelos Estados Unidos após tomar posse, em março, Bolsonaro tentou desfazer essa imagem a americanos. Em uma palestra a investidores, fez questão de afirmar que não é homofóbico. Em entrevista à Fox News, também em março, rejeitou rótulos de racista ou homofóbico: "Se eu fosse tudo isso, eu não teria sido eleito presidente", disse, emendando que há um problema de "fake news" no Brasil.
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