Brasília – É mais fácil o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deixar o barco do que os militares o abandonarem. É a partir dessa lógica que os integrantes das Forças Armadas se movimentam dentro do governo, onde qualquer ameaça de desembarque é vista como traição dentro da própria caserna. Assim, na prática, por mais tensa que a relação com o “guru” Olavo de Carvalho e com os filhos do capitão reformado possa se mostrar, as chances de um “meia volta, volver” são mínimas, por maior que possa se desenhar a crise.
“Entre os militares, o abandono de uma missão é uma das coisas mais sérias que pode ocorrer. É visto como uma traição, e a traição é o pior dos atos de um integrante das Forças”, disse um oficial de alta patente com trânsito na Esplanada dos Ministérios. Por mais que possa ter ocorrido um ou outro arrependimento, os generais deverão permanecer – no máximo, para cada eventual saída, uma troca, com um número parecido com o de estrelas na farda.
“Os militares entraram num beco sem saída”, analisa Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “O desgaste para as Forças é, evidentemente, por causa do tamanho do embarque. Mas agora não cabe mais o recuo”, emenda o especialista, que entende como poucos o jogo político de Brasília.
Não há chances de os militares abandonarem o governo. Em entrevista na quarta-feira, a deputada Carla Zambelli destacou que os oficiais encaram o governo como uma missão. “Se o Bolsonaro disse ‘fiquem’, eles vão ficar. Não se discute ordem, se cumpre”, disse.
De certa forma, os olavistas – na impossibilidade de a caserna sair do governo – se apoiam nisso para estressar a relação com os generais. E quando atacam, falam de nomes específicos, tentando preservar as Forças Armadas.
O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, percebeu tal movimento e deixou claro que os ataques de Olavo eram contra a instituição. O comportamento de Bolsonaro, incapaz de fazer uma defesa contundente a favor dos militares, desagrada generais como Paulo Chagas, candidato a governador do Distrito Federal no último pleito, que observam o comportamento com apreensão.
O primeiro militar com respeito na tropa a assumir Bolsonaro como um candidato com potencial para vencer as eleições foi o atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. O militar chancelou o capitão reformado no Exército, ampliando pouco a pouco o número de apoiadores dentro da caserna, algo proporcional à própria força de Bolsonaro nas ruas. Até agosto do ano passado, entretanto, havia uma preocupação dentro das Forças Armadas com a aproximação com o candidato, por causa da imagem das Forças.
À medida que a campanha foi se tornando favorita, parte dos generais assumiram de vez o discurso. Com a vitória e a posse, a simbiose se completou. “Por isso, agora é quase impossível o abandono. Se a crise aumentar em proporções gigantescas, é mais fácil Bolsonaro cair. Os militares estarão com Mourão”, afirma Queiroz.
A leitura do diretor do Diap é precisa dentro da alta cúpula militar. Interlocutores e ministros ligados às Forças Armadas conversaram com o presidente depois dos recentes ataques de Olavo. Nada semelhante a um comitê de crise para lavar roupa suja. Foram diálogos sutis para saber o posicionamento dele. De pronta resposta, receberam afagos. Bolsonaro manifestou a intenção de continuar contando com o apoio deles e o desejo de que a “página seja virada”. A verdade é que os ataques do ideólogo do capitão reformado uniram ainda mais os militares.
Unidade Ao longo dos 100 primeiros dias de governos, Mourão expressou, por vezes, posições desalinhadas do discurso da Presidência da República, avaliam os próprios militares. As falas foram notadas pelo Congresso como uma leitura de alguém que queria se posicionar de forma mais equilibrada que o presidente, uma espécie de tutelador. O sentimento foi igualmente perceptível entre oficiais das Forças Armadas na Esplanada, que atuaram para evitar o desencontro de informações. A unicidade do discurso começou, então, a ser mais perceptível depois dos atritos com o escritor.
Os militares estão ainda mais unidos e farão de tudo para solucionar crises e evitar que Bolsonaro caia. Entretanto, em uma situação de hecatombe política em que não haja mais como contornar um problema em “proporções gigantescas”, como sugere Toninho, ficarão com Mourão. Os oficiais não falam isso abertamente e não são apegados a cargos, mas a visão de Estado a longo prazo os fariam permanecer ao lado do vice e evitar a descontinuidade de políticas públicas.