Os sete promotores do Ministério Público do Rio que investigam o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e ex-assessores por suspeita de crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa afirmam que o objetivo da apuração "não é devassar" a intimidade dos alvos, "mas sim apurar a efetiva destinação dos recursos públicos desviados" da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) - onde o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro foi deputado de 2003 a 2018.
A reação aos ataques de Flavio Bolsonaro e seus aliados, que tentam desqualificar e barrar as investigações desde dezembro, quando o Estadão revelou existência de relatório do Coaf sobre movimentações suspeitas do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, consta do pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal entregue à Justiça - e aceito.
Em entrevista ao Estadão, Flávio Bolsonaro afirmou que a investigação do Ministério Público do Rio era ilegal e deveria ser anulada.
O Ministério Público do Rio pediu a quebra de sigilo bancário de Flávio Bolsonaro, Queiroz e de outras 93 pessoas na investigação. O requerimento à Justiça atribui ao senador indícios de 'fantasmas', compra e venda sub e superfaturada de imóveis, apropriação de salários e 'laranjas'. O pedido abrange o período de 2007 a 2018.
Segundo os promotores, a investigação busca "traçar o percurso do dinheiro, buscando desmascarar transações bancários e imobiliárias praticadas para lavar dinheiro ilícito e, ao fim da análise dos dados financeiros, identificar todos os integrantes da organização criminosa e promover a efetiva reparação dos danos causados ao erário estadual".
"Somente com a análise pormenorizada e cruzamentos dos dados bancários e fiscais será possível quantificar com precisão o volume total de recursos desviados dos cofres públicos pelos crimes de peculato, materializados no esquema das 'rachadinhas', e perseguir o destino das verbas públicas desviadas além de descortinar os crimes de lavagem de dinheiro praticados através de transações imobiliárias e bancárias, bem como os coatores da organização criminosa."
Sigilo
Ao apontar os fundamentos jurídicos do pedido contra os investigados, os promotores lembram que o conceito do sigilo de dados que abrange as informações bancárias e fiscais é previsto na Constituição para preservar a intimidade e a vida privada. Todavia, argumentam os promotores, " intimidade não é um direito absoluto". "Devendo conviver em harmonia com outros princípios de igual envergadura, como os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência, que impõem aos órgãos de persecução o dever de combater práticas criminosas e, principalmente, o desvio de recursos públicos."
O documento é subscrito pelos promotores Patrícia do Couto Villela, Carlos Bernardo Aarão Reis, André Luis Cardoso, Luís Fernando Ferreira Gomes, Eduardo Santos de Carvalho e Sílvio Ferreira de Carvalho Neto, do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) e Luíz Otávio Figueira Lopes, da 24.ª Promotoria de Investigação Penal da 1.ª Central de Inquéritos.
"Pelo critério da ponderação de valores na presente investigação penal depreende-se que o direito individual ao sigilo deve ser mitigado frente ao direito da sociedade de identificar e punir os responsáveis por desvios de recursos públicos, a fim de se ver livre de ações criminosas que ponham em risco a ordem pública", escrevem os promotores.
"A Constituição da República não se presta a salvaguardar práticas delituosas ou a servir de garantia de impunidade de criminosos."
Convicção
"As centenas de depósitos e saques em espécie realizados de forma fracionada na mesma conta corrente" de Queiroz "evidencia" a suspeita de que o ex-assessor de Flávio recebia mensalmente parte do salário dos demais assessores, e "distribuía parte do dinheiro a outros integrantes da organização criminosa", através da prática conhecida no meio político como "rachadinha".
O Ministério Público afirmou que são 'inverossímeis' as justificativas de Fabrício Queiroz sobre as movimentações financeiras de R$ 1,2 milhão consideradas suspeitas peloConselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Os promotores lembram que o próprio Queiroz admitiu em manifestação enviada por escrito - ele faltou aos depoimentos presenciais - que arrecadava dinheiro dos demais colegas de gabinete, mas não conseguiu provar até agora a versão de que usava esses recursos para contratar assessores externos por fora, prática proibida pela Alerj. "Não há evidências de que quaisquer pessoas tenham sido remuneradas pelos valores desviados para a conta de Fabrício Queiroz", afirmam os investigadores.
De acordo com a Promotoria, 'não parece crível a insinuação da defesa de que a liderança da organização criminosa caberia ao próprio Queiroz, um assessor subalterno, que teria agido sem conhecimento de seus superiores hierárquicos durante tantos anos'.
O Ministério Público ainda diz que ainda estão pendentes a identificação das lideranças do núcleo político e outros possíveis integrantes dos núcleos operacional e executivo, bem como a descoberta do destino final dos recursos desviados'.
Com a palavra, Flávio Bolsonaro
O senador Flávio Bolsonaro defendeu-se por meio de nota divulgada por sua assessoria dizendo que "não são verdadeiras as informações vazadas acerca de meu patrimônio". Ele afirmou que continua sendo "vítima de seguidos e constantes vazamentos de informações contidas em processo que está em segredo de justiça".
Com a palavra, a defesa de Queiroz
O advogado Paulo Klein, defensor da família Queiroz, também rebateu as acusações. "O que dizer do MP que depois de 1 ano e 5 meses não tem indícios mínimos de prática criminosa? Tanto é que não existe denúncia até agora".