Além de saques a joias e bens pessoais deixados na Granja do Torto na noite em que partiu com os filhos, logo após o golpe militar, Maria Thereza Goulart enfrentaria tempos de humilhações – como ter sido, anos mais tarde, impedida de acompanhar o funeral da mãe e do pai, ocasião em que foi forçada a se despir em prisão no Brasil, em breve retorno para um casamento, fato que nunca contou a Jango, para não magoá-lo. Suportou insultos, mentiras envolvendo a sua história, num país silenciado pela censura. E mais tarde, após a redemocratização, a sanha de “ex-amigos” oportunistas que tentaram se promover com a história de Jango.
Se quando aconteceu a morte de Jango pareceu a Maria Thereza consequência da cardiopatia do marido, décadas depois, já no desabrochar do novo milênio, ainda assombram as revelações que saltaram dos arquivos dos governos do Cone Sul, naqueles anos de chumbo. Teria sido cuidadosamente substituído um único comprimido do frasco, que chegava da França para o tratamento de Jango? Teria sido esse líder do trabalhismo e herdeiro político de Getúlio Vargas, mais um da América do Sul, que, antes da esperada reabertura democrática, viria a ser eliminado no contexto da Operação Condor?
Leia Mais
Livro reconstitui a trajetória de Maria Thereza Goulart, a bela gaúcha que chegou ao poder com JangoSegundo relato de Neira Barreiro, que no Uruguai, em colaboração com a ditadura brasileira, respondia pelas gravações das escutas domésticas da família Goulart, seria este o caso: Jango fora assassinado. Mas a morte dele segue não esclarecida, inconclusiva. Para a família do ex-presidente, persiste ainda a dor das interrogações ainda não respondidas sobre o marido e o pai. Mais um silêncio que grita sobre a recente história do Brasil.
“Jango foi vigiado desde que colocou os pés no Uruguai. Neira Barreiro era o operador responsável pelo gravador: ele ouvia, gravava e degravava as escutas. Ao final de certa entrevista que fiz com ele, perguntei-lhe se recordava-se de algum detalhe do que se passava na casa de Jango.
A trajetória de Jango, herdeiro político de Getúlio Vargas, o encontro e posterior casamento com Maria Thereza, é trama que nasce e prospera na tradicional e conservadora sociedade dos pampas, em São Borja, de onde emergem lideranças políticas progressistas – que mudam a perspectiva do desenvolvimento no Brasil.
NOVOS POLÍTICOS Nesse ambiente emerge Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, na qual encerra-se a Velha República – e com ela a hegemonia da burguesia cafeeira. O estado que nasce centraliza o poder, intensifica a sua intervenção na economia, subordina as oligarquias tradicionais e demais classes ao poder central, possibilitando o desenvolvimento industrial. Jango, JK, Leonel Brizola, Tancredo Neves e toda uma geração de estadistas são herança do getulismo à cena política brasileira. O mesmo Getúlio, ponto de interseção, que entrelaça nos pampas, as vidas e famílias de Jango e Maria Thereza..