Por 9 a 2, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na tarde desta quinta-feira (23) prosseguir com o julgamento sobre a criminalização da homofobia e da transfobia, mesmo após a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado ter aprovado na última quarta-feira, 22, um projeto que criminaliza a prática, mas que faz uma exceção para garantir a liberdade religiosa.
Os votos contrários à continuidade do julgamento foram do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e do ministro Marco Aurélio Mello.
"Tudo indica que houve (desde o início do julgamento, em fevereiro deste ano) diminuição nas agressões (contra homossexuais e transexuais) e além disso o Congresso Nacional está se movimentando e deliberando sobre o caso, por isso eu sou voto vencido", disse Toffoli, que busca um discurso de harmonia entre os poderes.
Após a votação, Toffoli suspendeu a sessão do tribunal para um intervalo regimental de 30 minutos. Com o aval do plenário para que o julgamento prossiga, os ministros devem retomar a discussão se houve omissão do Congresso Nacional e se a homofobia e a transfobia devem ser enquadradas como racismo - quatro integrantes da Corte já votaram nesse sentido.
Na sessão desta tarde, o relator de uma das ações sobre a homofobia, ministro Celso de Mello, informou os colegas que chegou em suas mãos uma petição do Senado Federal informando sobre a votação na CCJ. Os ministros então debateram, em um primeiro momento, se deveriam prosseguir ou não com o julgamento, mesmo com a aprovação de um projeto sobre o tema no Senado.
"Não se diga que a existência de proposições legislativas prejudicaria a conclusão do presente julgamento, pois a mera apresentação de projeto de lei não garante por si só a aprovação por si só de ambas as Casas pelo Congresso Nacional", disse o decano do STF, ministro Celso de Mello.
Celso de Mello ainda destacou o "longo itinerário" da proposta, lembrando que, mesmo que eventualmente seja aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional, o texto ainda precisa ser analisado pelo presidente da República, a quem cabe sancioná-lo ou não.
Ou seja: para Celso de Mello, apesar da aprovação do texto na CCJ do Senado, ainda persiste a omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da discriminação contra homossexuais e transexuais, já que até hoje o Congresso não concluiu em todas as etapas a aprovação de uma legislação específica sobre o tema.
"Mesmo aprovadas as proposições legislativas, nada garante que o presidente da República irá sancionar tais proposições. Isso significa que, continua, sim, subsistindo o caso em julgamento a situação de mora legislativa caracterizada pelo estado de inércia que traduz objeto plenamente suscetível do controle jurisdicional das omissões legislativas", frisou Celso de Mello.
Ao acompanhar Celso no entendimento de que o julgamento deve prosseguir, o ministro Alexandre de Moraes disse que o Brasil é o país onde mais homossexuais e transexuais sofrem violência no mundo ocidental. Moraes também lembrou a longa tramitação de projetos no Congresso.
"Não é líquido e certo, por mais que o esforço da CCJ do Senado tenha sido feito, que a Câmara aprovará (o projeto que criminaliza a homofobia) ou não. Ou que a Câmara aprovará o mesmo projeto. Também não é líquido e certo porque isso é uma prerrogativa constitucional que haverá sanção integral de eventual projeto.
Há muitos 'se', consequentemente entendo que por mais tenha sido meritório o esforço da CCJ e acredito que o Congresso irá rapidamente aprovar, mas não há a certeza, não há liquidez e certeza dessa aprovação", comentou Alexandre de Moraes.
Inércia
Para a ministra Cármen Lúcia, embora tenha havido a aprovação da matéria pela CCJ, a "inércia" do Congresso sobre o tema prossegue.
"É obrigação levar adiante a jurisdição. A inércia continua, embora tenha havido um movimento. A dor (de homossexuais e transexuais) tem urgência e 30 anos não são pouco tempo", disse a ministra, em referência à demora do Congresso em aprovar uma legislação sobre o tema, desde que a atual Constituição Federal está em vigor.
O ministro Luís Roberto Barroso concordou com os colegas ao não ver razão para adiar o julgamento. "Os processos legislativos têm as suas circunstâncias e acho que um direito tão fundamental como esse de preservação da integridade física e moral dessas pessoas não deve esperar. Quem é atacado, ofendido, tem pressa", afirmou Barroso.
Para Ricardo Lewandowski, a situação é "emergencial" e a discussão não pode ser adiada. "O prosseguimento do julgamento nada mais do que representa o estrito cumprimento e um dever constitucional por parte dos integrantes dessa Corte", disse Lewandowski.