Jornal Estado de Minas

Com nova proposta, motorista poderá usar plano de saúde para ter CNH; saiba

Ao fazer questão de ir até a Câmara dos Deputados entregar o projeto de lei que muda as regras para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi enfático: "é um projeto que parece que é simples, mas atinge todos do Brasil. Porque todo mundo é motorista ou anda de uma forma ou de outra em um veículo automotor”. Pois tão logo o texto foi apresentado, começaram as discussões em torno de regras como a elevação da pontuação mínima para perda da carteira dos atuais 20 para 40 ou o novo prazo de validade da CNH, que passa dos atuais cinco anos para 10.
 
A grande dúvida é: as normas defendidas pelo governo Bolsonaro influenciarão de alguma forma o comportamento dos motoristas ou o trânsito no país? Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, muito pouco. Mas vão desburocratizar e tornar mais barato para o motorista ter a sua carteira de motorista. Isso porque alarga o prazo para renovar a habilitação e ainda prevê que o exame médico possa ser realizado em qualquer clínica especializada, e não apenas naquelas credenciadas pelo Detran de cada estado. Para se ter uma ideia, o exame feito em Minas Gerais custa cerca de R$ 170. Pelo projeto de lei, o motorista poderá usar, por exemplo, o plano de saúde e não gastar nada.
 
Talvez o ponto mais polêmico seja a prática de infrações que podem levar o motorista a perder a carteira de habilitação. Pela legislação atual, ao atingir 20 pontos o documento fica suspenso e o condutor é obrigado a fazer um curso de reciclagem de 30 horas-aulas, promovido pelas auto-escolas, para ter direito a voltar a dirigir.
Em Minas Gerais, segundo o Detran, 42.988 condutores tiveram a carteira suspensa no ano passado. Se o projeto do governo já estivesse em vigor, vários deles poderiam estar com o documento em mãos, já que as infrações poderão somar 40 pontos.
 
“Outros países prolongaram a validade da carteira e aumentaram a pontuação. A proposta em si não representa uma grande ameaça à segurança no trânsito, mas combinada a um contexto em que eu posso me comportar mal que não vai dar nada para mim, é perigoso”, diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística e infraestrutura da Fundação Dom Cabral.
 
O especialista vai além. Para ele, dobrar o número de pontos na carteira não implica necessariamente que os motoristas ficarão mais “irresponsáveis” no trânsito. “Acho que para o brasileiro aquilo que realmente importa é a multa, que dói no bolso. A gente tem a impressão de que o brasileiro ainda dá pouca importância à questão do acúmulo de pontos. E o que me parece é que a proposta não atinge o lado financeiro”, pondera.
 
Raciocínio semelhante tem o engenheiro de transporte e trânsito e professor da Fumec, Marcio Aguiar.
Para ele, continua a necessidade de uma fiscalização e punição mais efetivas aos infratores de trânsito – pontos que não são tratados no projeto de lei elaborado pelo Palácio do Planalto. “Hoje você já tem os pontos na carteira e muitos motoristas continuam dirigindo. Aumentar o número de pontos pode até favorecer o mal-intencionado, mas para as pessoas reincidentes, não faz diferença se o limite é 20 ou 40 pontos. O grande problema é a fiscalização que se faz depois do acontecido”.
 
Cadeirinha
 
O projeto de lei inclui ainda no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) normas previstas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) envolvendo o transporte de crianças até sete anos e meio, que devem ser transportadas no banco traseiro e com cadeirinha prória ao tamanho e peso. Mas o texto do projeto gerou polêmica ao retirar a previsão de multa de R$ 293,47 pelo descumprimento da norma, trocando para uma “advertência por escrito”.
 
A resolução do Contran, em vigor atualmente, diz que descumprir a regra torna-se infração gravíssima, sujeita a multa e retenção do veículo. A Casa Civil alegou que a aplicação da multa já estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O argumento dos ministros é que uma resolução do Contran não poderia criar infrações e penalidades não previstas no CTB.
 
Rebite
 
Para o Sindicato dos Proprietários de Centros de Formação de Condutores (Siprocfc-MG), Alessandro Dias, um ponto positivo do projeto é que ficará mais barato ter uma carteira de motorista – custo que explica uma queda de 40% na procura por aulas de direção, segundo dados da entidade. Por outro lado, ele considera preocupante algumas alterações, como o fim da exigência do exame toxicológico para os motoristas profissionais, que são aqueles que dirigem vans, ônibus, carretas e caminhões.
 
“Hoje vemos pessoas que rebaixaram a categoria da carteira por causa da necessidade do exame, e agora não terão que provar mais (que não usam substâncias tóxicas).
É uma mudança muito impactante no cenário em que nas categorias profissionais há um uso grande de substâncias como rebite”, afirmou Dias, referindo-se ao nome popular dado à anfetamina, substância usada por motoristas para aumentar o número de horas na estrada.
 
A legislação atual prevê a realização de exames para verificar o consumo de substâncias psicoativas que comprometam a capacidade de direção. Os condutores dessas categorias (C, D e E) com carteira válida por 5 anos devem fazer o exame no prazo de dois anos e meio. Os idosos – acima de 65 anos – devem refazê-lo a cada um ano e meio. A reprovação no exame implica na suspensão do direito de dirigir pelo período de 3 meses.
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