Jornal Estado de Minas

Governadores entregarão carta ao Congresso pela manutenção de estados e municípios na reforma

- Foto: Gil Leonardi/Imprensa MG

Em meio aos argumentos técnicos, a discussão em torno da reforma da Previdência esbarra nas questões políticas. É por não querer arcar sozinhos com os ônus de aprovar medidas impopulares que os deputados federais e senadores querem deixar para as assembleias legislativas e câmaras municipais a tarefa de discutir as novas regras de aposentadoria nos estados e municípios. Em Minas Gerais, por exemplo, 630 municípios seguem as normas do regime geral de Previdência, o INSS. Outros 219 têm o regime próprio. Outros quatro estão na transição para a extinção do regime próprio.


Prefeitos de todo o país já ameaçaram recorrer à Justiça para que os municípios permaneçam na reforma. Na terça-feira, durante o Fórum dos Governadores, em Brasília, 25 deles – incluindo Romeu Zema – apresentarão uma carta com apelo aos deputados federais e senadores para que as regras sejam aplicadas também aos estados. No documento os políticos alegam que retirá-los da proposta representa “atrasos” e “obstáculos” à tentativa de uniformizar os critérios para a Previdência.


Apesar da insatisfação geral, os governadores optaram por amenizar o tom e, em uma versão mais light do texto, trocaram o termo “repúdio”, por “apoio”, mas chamaram os parlamentares à responsabilidade. “Contamos com o indispensável apoio de nossos deputados e senadores para a manutenção dos estados e do Distrito Federal na nova Previdência, a fim de garantir o equilíbrio fiscal e o aumento dos investimentos vitais que promovam a melhoria da vida de nossos concidadãos, evitando o agravamento da crise financeira que hoje já se mostra insustentável”, diz o texto.

Os governadores argumentam ainda que obrigar as gestões estaduais e municipais a aprovar mudanças em seus regimes previdenciários por meio de legislação própria, enquanto tais alterações já estão previstas na proposta em análise no Congresso, “suscita preocupações acerca da falta de uniformidade no tocante aos critérios de Previdência a serem observados no território nacional”.
A carta foi articulada pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), coordenador nacional do Fórum de Governadores.

A proposta do governo para a reforma da Previdência prevê economia de R$ 350 bilhões em 10 anos para todos os estados, segundo estimativas do Ministério da Economia, se os servidores estaduais forem incluídos nas regras de aposentadoria. No início da semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, chegou a dizer que os governadores deveriam ir a Brasília pressionar os deputados para que os estados não sejam excluídos da reforma.

O relator da proposta de reforma da Previdência na comissão especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), já adiantou que a Casa está “dividida”. Autor da emenda que retirou estados e municípios da reforma, Moreira afirma que a alteração tem o apoio de quase 200 parlamentares. Ele ainda divulgou uma nota na sexta-feira em que disse que a carta dos governadores só terá efeitos práticos se “convencerem suas bancadas a votar a favor das alterações na Previdência Social, que, se não mudar, quebra”.

"Contamos com o indispensável apoio de nossos deputados e senadores para a manutenção dos estados e do Distrito Federal na nova Previdência"

. Trecho da carta dos governadores que será entregue no Congresso


Entrevista


GUSTAVO BARBOSA
Secretário da Fazenda
‘É temeridade cada
estado fazer reforma’

 

Com a economia de R$ 35 bilhões para os cofres públicos de Minas ao longo de 10 anos, caso a reforma da Previdência seja aprovada sem modificações no Congresso Nacional, o governo estadual espera diminuir o rombo nas contas. Atualmente, o gasto com aposentados e pensionistas é de R$ 23,2 bilhões, enquanto a arrecadação com a contribuição dos servidores e do estado não passa de R$ 5,3 bilhões. Em entrevista ao Estado de Minas, o secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa, faz um balanço do sistema previdenciário estadual, que ele classifica como “oneroso e injusto”, e as projeções para o futuro.

Por que Minas Gerais precisa tanto entrar na reforma da Previdência?
O déficit de 2018 foi de R$ 17,2 bilhões, a projeção para 2019 é de R$ 18,7 bilhões.

Para você ter uma ideia, os quatro anos do mandato do governador Zema têm um déficit previsto de R$ 78 bilhões, aproximadamente, se nada acontecer. Isso lembrando que temos receita corrente líquida de R$ 58 bilhões por ano. Ou seja, preciso de mais de uma receita inteira, de um ano, para cobrir o déficit da Previdência. Em tese, eu teria só dois anos e meio de caixa se pagasse o déficit previdenciário. Esse é o primeiro motivo. O segundo é que concentro nos aproximadamente 300 mil aposentados e pensionistas um terço da minha arrecadação tributária. Então, em termos de concentração de renda, imagina 21 milhões de habitantes que contribuem para o estado, e um terço dessa contribuição se direciona para 300 mil aposentados e pensionistas. É claro que eles não têm culpa de nada, estão ali legalmente, fizeram concurso público.
A questão é o sistema previdenciário, que é injusto e muito oneroso ao estado.

 

De que forma o sistema é injusto e oneroso? O que deveria ser mudado?
Injusto no sentido de que tenho uma média de aposentadoria no INSS de R$ 1,3 mil, e a média de aposentadoria no estado de Minas é algo em torno de R$ 4,1 mil. Segundo, tenho um estado carente de serviços de educação, saúde e segurança. Você pagar uma aposentadoria de R$ 30 mil, R$ 35 mil, entendo que é inadequado. O Brasil inteiro, todos os estados, a União têm aposentadorias nesses valores em todos os poderes, tanto no Executivo quanto no Legislativo e Judiciário. E é o sistema previdenciário do estado que paga, limitado ao teto salarial. No Executivo você tem as carreiras com salário médio mais alto, que são os auditores fiscais, os advogados do estado e a Defensoria Pública, todos eles em patamar muito parecido com os outros poderes.

Como a Previdência chegou a um déficit tão grande? O que poderia ter sido feito para evitar esse rombo?
Uma coisa importante a dizer é que o processo de modulação previdenciária, ou seja, idade, tempo, tudo isso é parametrizado no Congresso Nacional. Minas regulamenta o que vem do Congresso. Agora, Minas tem uma quantidade de servidores muito grande. São 853 municípios, é uma população de mais de 21 milhões de habitantes e você tem uma necessidade maior de pessoal. Isso traz uma consequência que é ter um sistema previdenciário oneroso e um déficit considerável.

Hoje o déficit de Minas Gerais só é inferior ao déficit financeiro do estado de São Paulo.

Caso os estados fiquem de fora da reforma federal, o governo está preparado para fazer sua própria reforma?
Não consigo enxergar outra forma que não seja a inclusão dos estados e municípios nessa reforma, que é fundamental. É uma temeridade deixar que cada estado faça a sua reforma. Você vai ter situações completamente díspares. Imagina Belo Horizonte ter uma reforma de urgência, Betim faz outra, Contagem faz outra. Isso vai ser um problema porque você vai ter a mesma carreira com diferentes regras de aposentadoria. Entendo que isso causará um problema. A necessidade é tamanha que, realmente, não acredito que alguém não queira que a reforma seja feita dessa forma. Isso me choca.

Entre os pontos da reforma está o aumento na alíquota de contribuição, hoje em 11%. Minas defende reajuste nessa alíquota?
Sim, a gente entende que o sistema é oneroso e é preciso dividir com o servidor parte desse processo. A maior parte fica com o estado –, hoje o servidor paga 11% e o governo 22%.
Se majorar para 14% a parte do servidor, o estado pagará 28%. Além disso, há o déficit, que é todo de responsabilidade do Tesouro. O servidor não entra cotizando isso. Entendo então que tem que haver majoração de alíquota. Ao longo de 2018, a média de idade do servidor para aposentadoria foi de 54 anos –, ele, intelectualmente, muito provavelmente está no ápice e está se aposentando? Essa pessoa é um servidor, classe média, tem acesso a uma moradia digna, a plano de saúde, essa pessoa certamente tem longevidade grande, está no topo de uma pirâmide em termos de longevidade. Então, imagina que ele contribuiu em média 30 anos e vai receber em média 20 ou até mais anos de benefício, que é até a sua morte. Aí, mostra que tenho uma aposentadoria precoce e longevidade que combinados encarecem em demasia o processo.

A reforma em tramitação no Congresso teria qual impacto sobre o déficit previdenciário mineiro?
A proposta apresentada está alinhada com a nossa visão de melhora do sistema previdenciário. Em termos de caixa, tenho dados para os próximos 10 anos. Nesse período, a reforma da Previdência traria algo próximo a R$ 35 bilhões de redução de despesa previdenciária, ou evolução menor dessa despesa. Vamos gastar R$ 35 bilhões a menos. À exceção da majoração de alíquota, que tem uma noventena, mas depois já tem efeito, a questão demográfica de uma reforma (o aumento da idade de aposentadoria, de tempo de contribuição) tem um efeito a médio e longo prazo. A gente fez uma avaliação dos próximos 10 anos, e obviamente é uma estimativa e a gente tem que esperar o que vai sair do Congresso Nacional.

É possível um dia zerar o déficit previdenciário?
Não só Minas, mas nenhum estado brasileiro nem a União conseguirão zerar o déficit. Porque é estrutural, vem de décadas. O que você está fazendo? Está mitigando este déficit futuro com o objetivo de direcionar mais recursos para o estado. Mas zerar não, esta hipótese não existe, o sistema foi concebido na Constituição de 1988 estruturalmente deficitário. Essa situação não é peculiaridade do Brasil, a reforma do sistema previdenciário é constante em todos os países, porque você tem uma dinâmica que é a longevidade, que influencia e muito o custo previdenciário. Tem lugares em que a idade para aposentadoria é 65 anos e já está programado chegar aos 67, e até 70. Na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) há países que programaram uma evolução na idade da aposentadoria a partir de determinada data, como a Alemanha.

O secretário do Tesouro Nacional, Monsueto Almeida, afirmou que os estados deveriam pressionar para garantir a inclusão na reforma. O que Minas e demais estados ainda podem fazer?
O governador está com agenda semanal em Brasília, e aqui também, no sentido de trabalhar com os deputados federais para que eles incluam os estados e municípios. O Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) também tem defendido essa tese. A própria sociedade organizada, como a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais) têm objetivo de explicar a relevância de os estados estarem nessa reforma. A gente tem feito agenda constante de convencimento de todos os atores da necessidade de incluir estados e municípios nessa reforma. (IS)

A necessidade é tamanha que não acredito que alguém não queira que a reforma seja feita. Isso me choca”

.