Em decreto publicado nesta terça-feira, 11, o presidente Jair Bolsonaro determinou a exoneração de todos os 11 peritos do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNPCT). Os cargos (DAS4, com rendimentos de R$ 10 mil em média) foram remanejados para o Ministério da Economia. As vagas serão preenchidas, segundo o decreto, por voluntários não remunerados.
O ato presidencial, de acordo com fontes que atuam na área, contraria as indicações feitas desde o início do ano pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ao qual o órgão é vinculado e, na prática, inviabiliza as atividades do mecanismo. "A rigor houve a extinção do órgão", disse o perito José Ribamar Araújo e Silva.
O MNPCT foi criado em 2013 como braço em campo do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e faz parte do acordo para adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o País é signatário desde 2007.
O trabalho dos peritos consiste em fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade - desde cadeias e delegacias até hospitais de internação compulsória -, realizar diagnósticos e recomendar ações, nem sempre acatadas pelos governos estaduais.
O caso mais notório de ação do MNPCT é um relatório de janeiro de 2016 no qual apontava risco de chacina em presídios de Manaus (AM).
Além de não receber salário, os voluntários não podem ter vínculos com "redes e a entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, a entidades representativas de trabalhadores, a estudantes e a empresários integrantes do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT)".
Em nota divulgada no final da tarde, os integrantes do mecanismo disseram que o decreto "acaba com a autonomia e as condições de funcionamento" do órgão e acusa o governo de agir "em nítida retaliação à atuação desses órgãos (MNCPT e CNPCT) que, incansavelmente, vêm denunciando práticas sistemáticas de tortura nos locais de privação liberdade em todo Brasil, notadamente, nos recentes relatórios referentes a Comunidades Terapêuticas, aos Massacres no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação irregular no Ceará da Força Tarefa de Intervenção Federal do Ministério da Justiça".
A ONG Human Rights Watch, também em nota, diz que "na prática, o decreto não só enfraquece como pode inviabilizar a atuação do mecanismo, pois dependerá da atuação de voluntários que, além disso, não poderão ter vinculação com organizações da sociedade civil e acadêmicas que atuam na área do combate à tortura".
O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) apresentou um decreto parlamentar que tenta sustar os efeitos do ato presidencial e pediu que a proposta seja votada em regime de urgência. "É muito grave que tenhamos na Presidência da República alguém que estimula a tortura."
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) pediu à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a abertura de ação para declarar o decreto inconstitucional.
Em nota, o MMFDH negou que haja um desmonte.