O advogado e deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, carrega nas costas, além da tensa e complicada direção dos trabalhos, duas tatuagens com forte significado. Na primeira, em cima, lê-se Carol. É como ele chama sua filha Maria Carolina, levada deste mundo quando era um bebê de três meses, em fevereiro de 2004. "No próximo novembro ela faria dezesseis anos", disse ao jornal O Estado de S. Paulo, com os olhos marejados, no saguão do hotel onde mora, em Brasília, na noite do último dia 10, uma friorenta segunda-feira.
À primeira menção, feita pela reportagem, sobre o drama que marcou sua vida, Ramos emocionou-se, levantou a camisa azul e mostrou as "tattoos". No círculo com motivos indígenas que rodeia o nome da filha, também está gravado Gabriel, o filho mais velho, hoje com 22 anos e estudante de Direito.
Ele ainda tem Marcela e José Umberto, filhos menores do atual casamento com Juliana. "São quatro filhos: uma no céu e três comigo", disse.
A segunda tatuagem, em nove linhas, é o poema "A janela encantada", do escritor amazonense Thiago de Mello.
O deputado o recitou de memória: "A vida sempre foi boa comigo. Quando soube que o meu coração estava carregado de sombras, e que ele só se alimentava de luz, fez abrir no meu peito uma janela encantada, para que por ela pudesse entrar o esplendor do orvalho, o fulgor das estrelas, e o irresistível arco-íris do amor".
Recompondo a camisa, disse: "Já superei essa dor no meu coração. Fecho os olhos e só lembro do sorriso da Carol, não do sofrimento".
Se alguém quiser testar, é só pedir que ele mostre a foto da bebê, risonha e gorducha. Ela morreu numa madrugada, depois de idas e vindas ao hospital, após um diagnóstico tardio de meningite meningocócica tipo B - "avassaladora", para usar a palavra que o pai usou.
Ele processou o convênio de saúde por erro médico, ganhou na primeira instância, e até hoje espera o julgamento do recurso. De lá para cá, todos os anos, Maria Carolina é lembrada em textos que Ramos religiosamente escreve nos dias do aniversário e da tragédia, encontráveis na internet.
Escreve, também, sobre outra perda que o marcou - a do pai, por um enfarte fulminante, aos 39 anos, quando ele tinha 12, o mais velho de quatro irmãos. Um deles, Umberto Ramos Rodrigues, é delegado da Polícia Federal.
Reforma
Vida que segue, reforma da Previdência que transita e centraliza as atenções. "O governo me vê com bons olhos porque eu defendo a reforma", diz. "E a oposição me vê com bons olhos porque eu ataco o governo." Anti-Bolsonaro por excelência - votou no petista Fernando Haddad no segundo turno da eleição presidencial -, Ramos tem sido farto e contundente nas críticas ao presidente. Já disse que ele não sabe o que é importante para o País e que não tem clareza das prioridades. "A história parlamentar do agora presidente Bolsonaro mostra que ele sempre teve pouco apreço pela democracia e pelas instituições", disse. "Defende a tortura e já pediu várias vezes o fechamento do Congresso. São 28 anos de compromisso com o atraso."
A reforma da Previdência que o presidente da Comissão Especial defende não é a que foi apresentada pelo ministro Paulo Guedes - mas a que está passando pela "calibragem dos partidos de centro do Parlamento". Leia-se Centrão - mas ele é outro dos que não gostam de usar a palavra maldita. "Se há uma reforma em andamento é porque os partidos de centro têm um compromisso com essa reforma, entendem que ela é necessária para o País andar pra frente, independentemente da incapacidade do governo de dialogar com o Parlamento."
Dos 45 anos que tem, Marcelo Ramos Rodrigues gastou ou investiu 16 no Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. Entrou em 1993, como líder estudantil, atuou intensamente como advogado trabalhista, foi assessor de Orlando Silva, igualmente do PCdoB, no Ministério do Esporte durante o primeiro governo Lula.
Duas vezes vereador e uma secretário dos Transportes do prefeito de Manaus, Serafim Correa (PSB), rompeu com o PCdoB amazonense em 2009. Rompimento pragmático, por questões políticas locais, e não ideológicas. "Foi um porradal absurdo lá no Amazonas", resumiu o também praticante de Ironman, uma modalidade de triatlo com provas de longa distância, e ex-integrante da seleção amazonense de vôlei.
Do outro lado estavam a depois senadora Vanessa Grazziotin (não reeleita) e o também dirigente Eron Bezerra. Queriam o mandato de vereador de volta para o PCdoB e abriram um tribunal de ética para julgar o dissidente. "Tribunal de exceção", ele diz. Livrou-se do julgamento interno, por decisão judicial, depois de formalizar a desfiliação.
Em 2010, já no PSB, elegeu-se deputado estadual. Em 2014 saiu candidato a governador (ficou em terceiro lugar), e dois anos depois a prefeito de Manaus, já no Partido da República (hoje PL). Foi ao segundo turno, mas perdeu por uma diferença de 8% dos votos para o tucano Arthur Virgílio Neto, reeleito. Sem mandato, voltou a dar aulas de Direito Constitucional na universidade e em cursinho preparatório para concursos.
Marx
A longa militância comunista deixou no hoje republicano-liberal Ramos Rodrigues raízes marxistas obtidas na leitura a sério de partes de O Capital, de três livros seminais de Lênin - Que fazer; Esquerdismo, doença infantil do comunismo, e, principalmente, O Estado e a revolução - e de outros na mesma matriz. "Eu não sou inimigo do PCdoB nem acho que o comunismo tem que ser expurgado da humanidade", disse.
Ficou, da experiência, a assertividade, o manejo seguro de reuniões conturbadas, a cabeça dura com as posições que toma, a forma beligerante e provocativa de atacar adversários. O da vez é o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. "Ele devia se afastar do cargo, para não atrapalhar a apuração das conversas que lhe são atribuídas pelo The Intercept", disse. "Achei gravíssimas."
Em 2017, nas eleições suplementares para o governo do Amazonas, o advogado sem mandato tomou uma decisão que o deixou "estraçalhado", como contou: a de ser candidato a vice-governador do hoje senador Eduardo Braga (MDB-AM). Perderam, no segundo turno, para Amazonino Mendes, do PDT. "O Eduardo era o político que eu mais atacava", afirmou. Embarcou na canoa porque o PR não lhe deu a legenda para sair candidato, explicou. "A omissão para mim não é uma hipótese - e eu pago o preço das minhas escolhas. Essa me levou para o fundo do poço. Foi o pior momento da minha vida pública." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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